Amor Obsessivo: Querer exageradamente o outro pode ser, limerência?

A ideia de ter alguém louco por você pode até parecer romântica, mas pode se tornar perigoso.

A sensação de estar apaixonado envolve um turbilhão de emoções aparentemente dissonantes, mas que fazem total sentido para quem está envolvido. O início do relacionamento é frenético: de repente, a realidade não tem mais graça sem a presença da pessoa amada. A simples visão do ser amado desencadeia tremedeira, mãos suadas, coração palpitante e as famosas “borboletas no estômago”. Ao mesmo tempo, em que o ser amado causa imensa felicidade e prazer, há também angústia, variações de humor, saudade, sentimento de posse e ciúme. Quando a turbulência emocional não passa, quando estar longe do companheiro causa desespero, a paixão dá lugar à limerência — estado obsessivo que pode evoluir para problemas mais sérios e destruir qualquer possibilidade de amor.

O apaixonado sofre com a distância: se pudesse, daria um jeito de fundir o próprio corpo ao do objeto de desejo, só para não ter que conviver com a inconveniência da regra básica da física que determina que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar simultaneamente. A paixão, todavia, não dura para sempre. Após cerca de 18 a 48 meses, de acordo com alguns estudos científicos, o estado mental alterado pelos hormônios esvanece. O fogo esfria e dá lugar a outro sentimento — que tanto pode tanto ser amor quanto obsessão. A limerência, termo cunhado em 1979 pela psicóloga Dorothy Tennov em seu livro Love and limerence: the experience of being in love (Amor e limerência: a experiência de estar apaixonado, em tradução livre), é justamente o estado patológico de paixão: limitante, absorvente e perigoso para os envolvidos.

De acordo com Albert Wakin, professor de psicologia na Sacred Heart University (EUA) e especialista em limerência, o estado pode ser definido como um casamento entre transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e vício. “O TOC diz respeito ao fato de o indivíduo pensar na outro 95% do tempo. E, ao contrário do vício em substâncias, a pessoa está constantemente preocupada se o outro está disponível e se não encontrou alguém melhor”, detalha.

Diferenciar uma paixão avassaladora de um estado de limerência não é fácil. Para descobrir, o único jeito é esperar e pagar para ver. Em relacionamentos saudáveis, Wakin frisa que, após os quatro ou seis primeiros meses, os picos de euforia dão lugar a uma relação estável emocionalmente. “Na limerência, as necessidades se intensificam e há uma necessidade insaciável por validação e reciprocidade”, descreve. “Ela geralmente dura cerca de dois a três anos, mas pode durar vários anos e mesmo décadas.”

David Sack, psiquiatra norte-americano especialista em dependência psiquiátrica, está à frente da Elements Behavioral Health, uma rede de programas criados para o tratamento de dependências emocionais e sexuais nos Estados Unidos. Segundo ele, alguns especialistas até consideram a limerência como um estado normal do início da paixão. O problema é quando o foco deixa de ser o casal e passa a ser individual, transformando-se em uma espécie de egoísmo sentimental. “Alguém em um estado constante de limerência está essencialmente focado apenas em suas próprias necessidades”, explica. “Se a pessoa está mais preocupada em garantir o afeto do outro do que com o próprio bem-estar do ser amado; se a afeição mais sufoca que satisfaz, então isto é limerência.”

Tiago Lopes Lino, psicólogo clínico e mestre em sexualidade humana pela Faculdade de Medicina de Lisboa, reforça que há uma linha tênue entre paixão saudável e a limerência. “Esse estado dá origem a um elevado receio de perder o objeto amoroso”, completa. “A imaginação, a fantasia e o delírio passam a dominar o receio de perder o ser amado, e intensifica-se a necessidade de proteger a relação, potencializando o ciúme.”

A fixação amorosa é democrática e imprevisível. Qualquer um está propenso — e nada garante que passar por isso uma vez deixará o apaixonado imune a recaídas. Indivíduos com personalidade sedutora estão mais propensos a desenvolver a limerência, de acordo com Tiago Lino. “Indivíduos com traços de psicopatia também estão vulneráveis”, alerta. Além da obsessão e da vigília constante, o limerente pode partir para abordagens mais graves. A desvalorização do outro, com humilhações, xingamentos e até agressão física, é um exemplo. “O objetivo é que o ser amado se sinta incapaz e impotente”, esclarece o especialista.

O ciúme, explica o especialista, aparece em forma de flashes, ou seja, em episódios pontuais (nem sempre justificáveis). Com o tempo, o sentimento se converte em uma espécie de delírio (“você está olhando para quem? Com quem está trocando mensagens?”). A soma de insegurança e ciúme é explosiva. Em casos graves, segundo Tiago Lino, o ciúme doentio desemboca em violência doméstica, comportamentos de stalking (invasão persistente da privacidade do outro), vício em sexo e sociopatia.

O relógio do amor
Há muito tempo, a ciência tenta encontrar o tempo exato que dura a paixão. Uma pesquisa feita por cientistas da Universidade de Pisa (Itália), em 2006, chegou à conclusão de que a paixão teria prazo de validade de 48 meses. A partir do estudo dos hormônios de um casal durante o relacionamento, os pesquisadores analisaram que as substâncias relacionadas ao desejo — como a neutrofina e a noradrenalina — diminuíram drasticamente (ou até mesmo desapareceram) após dois anos do início do relacionamento. Em compensação, a ocitocina, considerada o hormônio do amor, passou a circular com mais intensidade no corpo dos entrevistados.

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Veja os principais sintomas de uma pessoa passando por um processo de limerência

Fonte: David Sack, psiquiatra norte-americano especialista em dependência psiquiátrica e vícios; Tiago Lopes Lino, psicólogo clínico e mestre em sexualidade humana.

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