Durante anos a ‘Rússia usou o Brasil’ como uma plataforma de rotação de espiões

Criando novas identidades, os espiões abriram negócios, trabalharam como modelos, estudaram nas universidades. Houve mesmo um casal que, em 2018, veio viver para Portugal

Os agentes de elite conhecidos como ilegais apagaram o passado russo, criaram novas identidades e novas vidas. Operações como esta já foram desmanteladas várias vezes, incluindo nos Estados Unidos da América, mas no Brasil o objetivo não era espiar o país, mas conseguirem tornar-se brasileiros. Uma investigação do jornal norte-americano The New York Times descobriu que, com as novas identidades, esses agentes seguiam depois para a Europa, Estados Unidos da América e Médio Oriente.

Em 2022, o brasileiro Viktor Muller Ferreira candidatou-se a um estágio no Tribunal Penal Internacional (TPI), a instituição que iria investigar os alegados crimes de guerra russos na Ucrânia. Antes de Muller Ferreira começar a trabalhar, os serviços secretos dos Países Baixos foram alertados pelos Estados Unidos e pelo Brasil de que afinal ele era um membro da inteligência militar russa e chama-se Sergey Vladimirovich Cherkasov.

Durante anos ele foi um dos muitos agentes que viveram no Brasil. Criando novas identidades, os espiões abriram negócios, trabalharam como modelos, estudaram nas universidades. Um deles foi aceite na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, outro conseguiu um emprego na Noruega e houve mesmo um casal que, em 2018, veio viver para Portugal. Chegaram cá como Manuel Francisco Steinbruck Pereira e Adriana Carolina Costa Silva Pereira. Tudo corria bem até à invasão da Ucrânia, quando países tradicionalmente próximos da Rússia perceberam a necessidade de dar uma resposta global à teia de espionagem do Kremlin.

Os russos, que até aí beneficiaram de alguma impunidade, começaram a ser investigados. A Polícia Federal brasileira descobriu pelo menos nove agentes russos que viviam com identidades nacionais.

investigação já abrangeu pelo menos oito países e contou com informações vindas dos Estados Unidos, Israel, Países Baixos, Uruguai e outros serviços de segurança ocidentais.

O Brasil terá sido escolhido porque tem um dos passaportes mais úteis do mundo, já que permite viagens para muitos países sem necessidade de visto. Também ao contrário de outros Estados, ali não é preciso uma declaração do hospital ou de um médico antes de emitir certidões de nascimento, uma vez que o país permite uma exceção específica para aqueles que nascem em áreas rurais. Foi, por isso, possível que estes russos tivessem documentos de identificação autênticos, tornando mais difícil a investigação.

Quando Cherkasov, o candidato a estagiário no TPI foi descoberto, vários suspeitos deixaram à pressa o Brasil. Um deles foi detido na Noruega, dois na Eslovénia e três foram identificados no Uruguai.

Os agentes brasileiros passaram horas a fio a investigar e só conseguiram acusar um dos espiões, Cherkasov, por falsificação de documentos, mas partilharam as informações com agências de todo o mundo, levando à descoberta de mais agentes russos.

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