O que exploradores espaciais vão comer quando estiverem vivendo na Lua?

Os cientistas estão examinando seriamente a possibilidade de missões tripuladas para o espaço profundo. E acrescente-se o aumento da oferta de projetos turísticos, que pretendem lançar indivíduos cheios de dinheiro para conhecerem o espaço.

Com tudo isso, esta escritora especializada em alimentação tem uma pergunta: o que iremos comer quando chegarmos lá?

“A alimentação é algo que mantém a sanidade dos astronautas”, afirma a subchefe de operações com astronautas da Agência Espacial Europeia, Sonja Brungs.

“Alimentos bons e adequados, com muita variedade, elaborados de acordo com as necessidades individuais dos astronautas, são fundamentais para uma missão bem sucedida para o espaço profundo. Acho que as pessoas subestimam como isso é importante.”

Atualmente, os astronautas recebem pequenas bolsas de comida, contendo refeições já preparadas. Empresas especializadas na produção de alimentos elaboram essas refeições, que são congeladas, desidratadas ou termoestabilizadas.

Os astronautas acrescentam água para aquecer ou resfriar os alimentos e comê-los. E eles podem também levar uma refeição especial que relembre sua casa – e que também precisa ser cuidadosamente formulada e termoestabilizada.

Mas existem alimentos que não são adequados. Comidas que soltem migalhas, como pão, não podem ser levadas para o espaço. As migalhas podem ficar facilmente suspensas no ar em um ambiente de baixa gravidade. Com isso, elas podem ser inaladas ou entrar em equipamentos vitais.

O sal é limitado porque o corpo armazena sódio no espaço de forma diferente, causando osteoporose acelerada. E o álcool também não é permitido, porque prejudica o sistema de reciclagem de água residual da ISS.

O astronauta dinamarquês Andreas Mogensen, da Agência Espacial Europeia, fez experiências com mousse de chocolate, na sua última viagem ao espaço. (ESA/NASA)

“A novidade certamente é um problema”, explica Brungs. “Os astronautas que ficam no espaço por apenas seis meses já sentem falta da textura e da crocância. É muito importante para o bem-estar mental ter uma variedade de texturas e, especialmente em missões para o espaço profundo, ter uma variedade de alimentos para comer.”

Em 2021, a Nasa lançou o Desafio da Comida no Espaço Profundo. O objetivo é descobrir novas formas de criar alimentos no espaço com recursos limitados, produzindo o mínimo de resíduos, e também fornecer alimentos seguros, nutritivos e saborosos que possam ser usados em missões de longa duração no espaço profundo.

Com sede em Helsinque, na Finlândia, a Solar Foods é uma das oito empresas que chegaram à fase final do desafio. Seu conceito é notável: usar os resíduos espaciais para criar proteínas.

“Nós quase literalmente criamos alimentos do ar”, orgulha-se o vice-presidente de Espaço e Defesa da Solar Foods, Arttu Luukanen.

Sua empresa descobriu um micróbio comestível no interior da Finlândia, que cresce se alimentando de uma mistura de dióxido de carbono, hidrogênio e oxigênio. O resultado é uma fonte de proteína oriunda de bactérias.

Esta proteína pode ser misturada com uma série de sabores ou texturas para criar vários tipos de alimentos nutritivos, como macarrão, barras de proteína, carnes alternativas e até um substituto do ovo.

“Começamos a pensar nos alimentos espaciais porque, em qualquer habitat no espaço, você tem dois gases residuais principais: hidrogênio e dióxido de carbono”, explica Luukanen. “Ou seja, o que realmente estamos falando aqui não é apenas de uma tecnologia de fabricação de alimentos para o espaço, mas algo que será uma parte integrante do sistema de controle ambiental e suporte à vida.”

A proteína da Solar Foods pode ser transformada em pasta ou pó e misturada com farinha e ingredientes alimentares mais comuns, para criar alimentos enriquecidos com proteína, como macarrão, barras de proteína e até chocolate.

Os experimentos prosseguem, para descobrir se a proteína pode ser misturada com óleos e transformada em algo com a textura de um bife, usando uma impressora 3D.

Os alimentos frescos também estão em consideração. Pastilhas de vitaminas podem ajudar, mas os astronautas precisam de produtos frescos. Continuam a ser realizados experimentos para estudar como cultivar vegetais em um ambiente único, sem gravidade e sem a luz do Sol.

A ISS tem sua própria horta minúscula a bordo, conhecida como Veggie. Nela, os astronautas estudam o crescimento das plantas em condições de microgravidade.

De volta à Terra, a empresa Interstellar Lab, de Merritt Island, na Flórida (Estados Unidos), desenvolveu um sistema biorregenerativo modular para produzir microverduras, legumes, cogumelos e até insetos.

A empresa é outra finalista do Desafio da Comida no Espaço Profundo, ao lado da Enigma of the Cosmos, de Melbourne, na Austrália, que está desenvolvendo uma forma de cultivar microverduras no espaço de forma eficiente.

Um ponto que parece provável é que é o futuro da alimentação espacial incluirá os fungos. Três das seis empresas finalistas do desafio da Nasa trabalham com ideias relacionadas.

Uma delas é a Mycorena, de Gotemburgo, na Suécia. Ela desenvolveu um sistema que usa uma combinação de microalgas e fungos para produzir uma micoproteína – um tipo de proteína originária de um fungo, que é frequentemente utilizada em produtos alternativos à carne.

A ISS tem sua própria horta minúscula a bordo, para que os astronautas possam estudar o crescimento vegetal em ambientes com microgravidade. (Amanda Griffin/ NASA)

“Os fungos são muito versáteis”, explica Carlos Otero, que trabalha na equipe de Pesquisa e Desenvolvimento da Mycorena.

“Eles podem crescer em diferentes substratos, crescem com rapidez e você pode projetar um sistema pequeno e eficiente, capaz de produzir alimentos suficientes para a tripulação. E também são muito robustos, residentes à radiação e facilmente armazenados e transportados.”

Todos estes alimentos espaciais ficam em um sistema circular de circuito fechado. Ele inclui um produto final que pode ser impresso em 3D para criar o alimento, com a textura aproximada de um filé de frango. Outro benefício é que a sua fonte de proteína contém todos os aminoácidos essenciais para o funcionamento do corpo humano.

À medida que crescem as oportunidades para que empresas privadas entrem na corrida espacial, as chances dos chefs de cozinha particulares também aumentam. Rasmus Munk, do restaurante com estrela Michelin Alchemist, de Copenhague, na Dinamarca, é um dos muitos chefs que estão prontos para a decolagem.

Munk anunciou recentemente uma parceria com a empresa de turismo espacial SpaceVIP para fornecer uma experiência imersiva de jantar na espaçonave Neptune, da companhia espacial Space Perspective. Seus ingressos custam US$ 495 mil (cerca de R$ 2,6 milhões) por pessoa, para uma viagem de seis horas ao espaço.

Munk é um dos muitos chefs de cozinha que veem potencial no atendimento de turistas ricos em voos espaciais comerciais.

É fácil imaginar que este tipo de desenvolvimento se destine apenas aos muito, muito poucos que conseguem pagar pela viagem (ou aos que decolam como astronautas). Mas o desenvolvimento da comida espacial não envolve apenas o que iremos comer na gravidade zero, mas também o que podemos acabar consumindo no nosso próprio planeta.

O Desafio da Comida no Espaço Profundo da Nasa também foi projetado para criar sistemas alimentares avançados que nos beneficiem na Terra. Eles irão oferecer novas formas de produção de alimentos em ambientes extremos e em áreas com escassez de recursos.

O astronauta Matthias Maurer, da Agência Espacial Europeia, segura um pacote de comida espacial da sua região natal do Sarre, na Alemanha. (ESA/NASA)

“Estamos enfrentando grandes desafios decorrentes das mudanças climáticas, particularmente em relação às secas, que influenciam nossa capacidade de produção de alimentos”, explica Luukanen.

“O espaço nos coloca em um teste final, onde usamos os recursos considerados resíduos de outras atividades e os transformamos em produtos com valor agregado. É uma filosofia de economia circular. A Terra é a melhor espaçonave em que já viajamos e seus recursos são limitados.”

Para a chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Mycorena, Kristina Karlsson, aplica-se o mesmo princípio: “Nosso projeto trabalha rumo à eficiência de recursos, na Terra e no espaço.”

“Quase não há emissões e quase não há resíduos. O espaço é apenas um ambiente extremo, onde você pode testar o desenvolvimento deste tipo de projeto. Se funciona lá, irá funcionar na Terra.”

A terceira fase do desafio da Nasa está em desenvolvimento neste verão do hemisfério norte. Ele pretende realizar novos testes do funcionamento destes projetos em condições similares ao espaço.

É algo para se observar com cuidado. Afinal, embora seja quase certo que esses alimentos inovadores irão fazer parte do perfil nutricional dos astronautas no espaço, também parece provável que eles influenciem nossa alimentação na Terra no futuro.

AFP

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