Arribamentos de organismos na Praia Central: um diagnóstico necessário
Conhecer e compreender o histórico da presença de briozoários e demais organismos que ocorrem em importante destino turístico do Estado é fundamental para solucionar o problema.
Se você tem como hábito acompanhar diariamente o noticiário de Balneário Camboriú, certamente percebeu que nestes últimos meses, desde novembro tem sido mais frequente as reportagens sobre a presença briozoários, diatomáceas e algas arribados na Praia Central. O assunto pode lhe parecer novo, mas se trata de um problema que vem ocorrendo pelo menos desde 2004 com a frequência que observamos hoje. Isso mesmo, lá se vão 15 anos de um problema ainda tratado com relativa complacência, dado que sua origem pode estar vinculada em algumas obras executadas pelo próprio Poder Público, além da grande deficiência no saneamento básico na cidade e na bacia hidrográfica.
Como já vimos em edições anteriores desta Folha do Litoral, os arribamentos na Praia Central não são fenômenos recentes. São consequência natural de um balneário que, nos últimos 50 anos, passa por profundas transformações naturais, sociais e econômicas, ao ponto de ter alcançado o “status” de 5º destino brasileiro com o maior crescimento de interesse turístico no ano de 2015, segundo o Portal “Nômades Digitais”. Tal título significa que Balneário Camboriú continuará crescendo, e que, portanto, sua enseada, grande patrimônio natural do município, necessita de ações públicas capazes de fazer com que ela sobreviva e continue sendo um atrativo turístico, de belezas cênicas e, claro, saúde ambiental e lazer, frente a esse “boom” populacional que exige infraestrutura condizente.
Mas como oferecer esta infraestrutura sem agir no centro da questão? Impossível. Sem considerar a história, qualquer ação pontual será apenas e tão somente paliativa. Assim, é preciso seguir em frente considerando o passado, para que as ações sejam eficientes no futuro. Sendo assim, que tal, então, voltarmos no tempo? Partiu?
Como tudo começou?
A Praia Central de Balneário Camboriú foi pela primeira vez apresentada em dados físicos, químicos, geológicos e biológicos em 1997, após dois anos de estudos inéditos coordenados pelo recém estruturado curso de Oceanografia da então Faculdade de Ciências do Mar – FACIMAR, da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. À época, buscava-se conhecer a enseada e seu entorno com maior profundidade técnica, e não necessariamente apontar os seus problemas.
Identificar problemas passou a ser prioridade a partir de 1999, quando a FACIMAR se transformou em Centro de Ciências Tecnológicas, da Terra e do Mar – CTTMar e, num convênio com a Prefeitura Municipal de Balneário Camboriú e a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN, que durou até 2001 e teve como base os estudos tornados públicos em 1997, mostrou que a Praia Central já dava sinais de eutrofização.
O que é eutrofização? Trata-se de um processo de multiplicação de algas, comum em corpos d’água sem tanta movimentação, ricos em aportes de nutrientes, como lagos, represas e enseadas de águas calmas, como Balneário Camboriú. Neste processo, a ampla disponibilidade de nitrogênio (N) e fósforo (P) na água fornece um ambiente totalmente favorável a grande e rápida multiplicação de micro e macroalgas. Quando o nível de eutrofização da água aumenta de tempos em tempos (em intervalos de tempo largos), é considerado um processo natural. Mas quando a eutrofização ocorre em um período curto, cientistas consideram que se trata de uma causa antrópica, ou seja, ocorrida por influência humana.
Tal influência, em Balneário Camboriú, já se mostrava visível nos estudos apresentados em 1999/2000, mas pode-se dizer que se deu com maior ênfase entre 2002 e 2004, quando a Prefeitura fez a dragagem rio Camboriú e o engordamento da parte sul da Praia Central. Estas obras retiraram do ambiente organismos naturais, que filtravam e retiravam nutrientes do ambiente, no caso, na região da desembocadura do rio Camboriú, como os moluscos bivalves Tivela mactroides e a Anomalocardia brasiliana (berbigão) Ainda, despejou grande quantidade de lama envolta em águas contaminadas e toneladas de sedimento fino retirados da foz do rio Camboriú, causando assim uma série de problemas ambientais, como aumento da turbidez da água, alterações na composição dos sedimentos da praia e arribadas de espécies oportunistas de organismos em decomposição na Praia Central.
Desde então, a Praia Central vem perdendo sua graça e beleza por causa destes organismos retirados às toneladas por funcionários e caminhões contratados pela empresa Ambiental Limpeza Urbana e Saneamento. Muito além da experiência desagradável proporcionada ao turista que carrega em si e em suas roupas o reflexo de um sério problema ambiental, estas operações de limpeza também oneram o orçamento municipal.
Hipóteses e dúvidas
Pesquisadores que se dedicam a estudar o problema que há mais de 15 anos atinge Balneário Camboriú já apontam algumas hipóteses para o constante arribamento de briozoários e as microalgas diatomáceas na Praia Central. Também se cercam de dúvidas a respeito do problema e já têm algumas certezas.
Confira no quadro abaixo este cenário desenhado por estes pesquisadores:
Hipóteses
1) Bioinvasão (como organismos oportunistas/espécies exóticas podem ter chegado à enseada da Praia Central):
- intenso tráfego de embarcações.
- proximidade de um complexo portuário internacional.
2) Processo de eutrofização:
- altas cargas de matéria orgânica, bactérias e fitoplâncton despejados pelo rio Camboriú e arroio Marambaia.
- altas cargas de nutrientes dissolvidos (estuário e praia).
3) Ocupação oportunista de nicho ecológico pelos briozoários:
- moluscos bivalves nativos foram removidos e sufocados.
- predadores potenciais perderam espaço e nicho ecológico (habitat natural de espécies, como os bancos de areia na desembocadura do rio Camboriú eram para a Tivela mactroides e a Anomalocardia brasiliana, retiradas após as dragagens).
Resultados já sabidos sobre os arribamentos
1) Duas espécies exóticas de briozoários foram identificadas como mais comuns na enseada:
- Arbocuspis bellula, espécie Dominante;
- Membraniporopsis tubigera, de presença eventual e também detectada em praias do sudeste e sul do Brasil e no Uruguai.
2) Proliferação de bolachas do mar, espécie da classe Echinoidea nos últimos três anos.
3) Ressurgimento do molusco Tivela mactroides, mas com pouca longevidade.
4) Ressurgimento da espécie Donax sp em verões alternados
5) Ressurgimento em menor quantidade da Tatuira (Emerita brasiliensis).
6) Sabe-se da existência da lama no fundo da enseada, mas ainda não se sabe como se dá seu deslocamento.
Dúvidas que persistem sobre os briozoários, as algas e demais espécies que arribam na Praia Central:
1) Ainda não se sabe onde os organismos crescem ou qual é a área fonte, mas há hipóteses;
2) Talvez eles cresçam em fundo arenoso em áreas além da enseada, ou no estuário, ou em costões junto ao promontório sul;
3) Sabe-se que o material é mais transportado em direção à praia com o aumento da energia de onda;
4) Aparentemente, não há predadores para esses organismos na região;
5) O material está agindo como filtro do excesso de material orgânico na enseada.