Lógica da diferença, segundo Sérgio Coelho Sampaio

Lógica da diferença, segundo Sérgio Coelho Sampaio

Existem três grandes projetos filosóficos brasileiros, que expressam três formas divergentes de se fazer filosofia, enquanto sistema. A primeira noção desta divergência se encontra no projeto de uma Lógica paraconsistente, que tem como expoente máximo o lógico e filósofo Newton Carneiro da Costa, ocupante da cadeira número 25 da Academia Brasileira de Filosofia, antes pertencente a Luiz Sérgio Coelho Sampaio.

A segunda noção desta divergência pode ser compreendida no projeto filosófico do filósofo dialético Carlos Roberto Velho Cirne-Lima, professor emérito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Por fim, a terceira noção destas divergências podem ser encontradas no projeto do filósofo da cultura brasileira, Luiz Sérgio Coelho Sampaio. Todos buscam dar conta de algo que escapou a compreensão do projeto de modernidade no ocidente, que se deu inicio no século XVIII com Kant, ou melhor, a consciência de que o projeto moderno expulsa as contradições e diferenças, ou ainda, outridades. A busca destes pensadores brasileiros sempre foi em última instância colocar em cheque o princípio da não-contradição. Por isso, estão sempre ao lado das lógicas não-clássicas.

No caso do filósofo Newton da Costa, ele foi capaz de provar que é possível criar sistemas lógicos que admitem a contradição, sem que a mesma seja expulsa ou imploda o sistema, advertência sempre realizada por Karl Popper. No entanto, o mesmo admite ser impossível se atingir a Verdade, e por isso, qualquer projeto científico e filosófico busca uma meia-verdade. Isto significa dizer, que a Lógica paraconsistente não consegue dar conta de outlier (isto quer dizer que um outlier, está fora das expectativas comuns e representa os dados espúrios de uma amostra estatística).

Por outro lado, o filósofo Carlos Roberto Cirne Lima tentou reconstruir o sistema dialético hegeliano, em sua obra Depois de Hegel, sempre tendo por referência a tradição neoplatônica, a partir do conceito de contrariedade. Desta forma, a síntese somente é possível a partir de proposições universais, sejam elas, positivas ou negativas. Logo, quando Hegel nos fala de contradição, na verdade está se referindo a contrariedade.

Afinal, não pode haver síntese entre proposições universais, sejam elas, positivas ou negativas, com as proposições particulares, sejam positivas ou negativas. Por fim, o filósofo da cultura, Luiz Sérgio Coelho Sampaio, tendo consciência dos projetos filosóficos descritos brevemente neste resumo, procurou definir e pensar um sistema que tivesse por base a Lógica da diferença que tem como expressão a inventividade da cultura brasileira, que consegue transformar o lixo em luxo, expressão temática que serviu para definir muitos de seus pensamentos e obras. Isto somente é possível, devido a nossa alma antropofágica que é capaz de devorar e digerir dialeticamente, produzindo uma cultura que tem por base a criatividade, a lógica da diferença. Devorar é uma das formas possíveis de se conceber a fala cotidiana no Brasil reproduzindo nosso pensamento, que somente pode ser compreendida filosoficamente, a partir de uma Lógica antropofágica, ou da diferença.

Por exemplo, é no verbo comer que se expressa nossa filosofia. Se Platão pensa a filosofia em um banquete, no Brasil a nossa originalidade está no matagal. É neste locus específico, nesta alcova, que o verbo comer ou ainda, devorar, se torna uma expressão do ato sexual, uma redescrição genuinamente brasileira. Isto se dá porque o ato de devorar no Brasil colônia acontecia entre as fruteiras, pomares, e por isso o verbo comer assumiu um novo sentido: copular. Éimportante frisar que foi Tarsila do Amaral, companheira de Oswald Andrade, a caipirinha, a responsável por ter conseguido captar em tela a centralidade de nosso pensar na clássica pintura “Abaporu”, que significa “homem que come gente”, uma junção dos termos “aba” (homem), “pora” (gente) e “ú” (comer).

O que isto nos quer dizer? O movimento modernista tentou remodelar a cultura no Brasil, buscando introduzi-lo em um mundo industrializado, com pleno desenvolvimento econômico, político e social. Mas ainda seria possível harmonizar o Brasil, como um sistema tonal? Isto somente será possível, segundo Sampaio, se formos capazes através da Lógica da diferença, pensar hiperdialeticamente. Esta foi a sua grande contribuição: a Lógica hiperdialética. Ou seja, seria preciso aprender novamente a cozinhar no grande banquete antropofágico tendo a Lógica da diferença de Luiz Sérgio Coelho Sampaio, nossa matéria prima. Sendo assim, o objetivo desta comunicação é: apresentar a Lógica da diferença como forma de resistência ao predomínio da lógica clássica nos projetos filosóficos. Afinal, Sampaio compreendia que as tentativas de formalizar a dialética hegeliana ou o surgimento da Lógica paraconsistente, são projetos que acabam por inibir o espirito criativo, submetendo o mesmo ao pensamento lógico-matemático. O que seria um erro!

Wellington Lima Amorim – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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