Telegramas revelam reação dos EUA à vitória de Allende no Chile há 50 anos

Telegramas revelam reação dos EUA à vitória de Allende no Chile há 50 anos

Uma série de telegramas que vieram a público, divulgados pelo National Security Archives nesta sexta-feira (4), destacam a reação dos Estados Unidos à vitória nas urnas de um presidente marxista no Chile há 50 anos. O resultado foi descrito como “doloroso” e “uma decomposição que não fede menos pela da civilidade que a acompanha”.

No dia do 50º aniversário do triunfo do governo popular, o grupo de pesquisa da George Washington University publicou documentos que mostram a surpresa gerada pela eleição do médico socialista Salvador Allende entre as autoridades norte-americanas, mas também a proximidade do ex-presidente Eduardo Frei com o embaixador de Washington. Parte dos registros confidenciais foi revelada nos anos 1990, mas uma liberação mais recente trouxe novas informações.

Até o dia da eleição, 4 de setembro de 1970, as autoridades dos EUA acreditavam que as “operações de sabotagem” secretas para minar a popularidade de Allende seriam eficazes.

Sua vitória desencadeou um mecanismo orquestrado pela Casa Branca – com o presidente Richard Nixon no comando – para “desestabilizar” o Chile, o que lançou as bases para o golpe de 11 de setembro de 1973, segundo o centro de pesquisas.

A queda de Allende, que morreu sitiado em um palácio La Moneda em chamas após os bombardeios da força aérea no dia do golpe de Estado, deu lugar a 17 anos de ditadura de Augusto Pinochet, que deixou mais de 3.200 mortos e desaparecidos.

O ex-presidente chileno Salvador Allende em foto de arquivo de 1º de fevereiro de 1973

O embaixador Edward Korry apostou que, entre os três candidatos, o conservador Jorge Alessandri seria o vencedor. No dia da eleição, Korry estava agitado e enviou 18 telegramas com informações.

Suas primeiras comunicações descreveram uma participação “muito significativa” e “monótona” e ressaltaram que os chilenos estavam tão ansiosos para votar que havia até pacientes em macas levados para as zonas eleitorais “aparentemente para realizar seus últimos desejos”.

– Um tom “desprezivelmente ofensivo” –

Entretanto, quando a vitória apertada de Allende começou a ser vislumbrada, o tom de Korry mudou e ele abandonou as descrições inusitadas para iniciar uma crítica furiosa da cultura política chilena. O ambiente teria criado, em sua opinião, as condições para a vitória democrática de Allende e, para piorar, depois acabar aceitando esse êxito com civilidade.

Os acadêmicos observaram que quando o telegrama secreto “Allende venceu” foi publicado pela primeira vez, há mais de 25 anos, o segundo parágrafo foi totalmente ocultado.

Recentemente, porém, uma revelação dos registros ao Departamento de Estado mostrou que essa censura não tinha o objetivo de preservar informações confidenciais de segurança nacional, mas sim esconder “a natureza melodramática e desprezivelmente ofensiva das opiniões do embaixador”.

“Há algum tempo vivemos com um cadáver entre nós e seu nome é Chile”, disse o diplomata no parágrafo divulgado. Posteriormente, ele afirmou que esta “decomposição não fede menos pela civilidade que a acompanha”.

“Os chilenos podiam falar sem parar na televisão e no rádio como sempre na madrugada de hoje, como se nada tivesse mudado e as telas passaram dos programas de entretenimento para discussões políticas com exposições tolas como de costume”, disse Korry.

No final, concluiu: “Os chilenos gostam de morrer em paz com a boca aberta”.

Foto: Uma homenagem ao falecido presidente chileno Salvador Allende em frente ao Palácio de La Moneda em Santiago.

AFP/Arquivos / JAVIER TORRES

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