Entrevista: Moisés fala em coalizão e admite presença de deputados no governo
Em entrevista à RCN, governador fala sobre os processos de impeachment, a relação com Julio Garcia, e a investigação da PF no caso dos respiradores.
Pressionado pelos dois processos de impeachment que tramitam na Assembleia Legislativa de SC (Alesc), o governador Carlos Moisés da Silva corre para sufocar o que chama de “tentativa de virada de mesa”. Para isso, diz que tem conversado com deputados e tem a promessa de alguns de que votarão com o Executivo. Além disso, admite que deputados poderão integrar o governo daqui para frente num “governo de coalizão”.
Em entrevista à Rede Catarinense de Notícias, o governador fala sobre os processos de impeachment, a relação com Julio Garcia, e a investigação da Polícia Federal no caso dos respiradores.
Rede Catarinense de Notícias – A Alesc abriu dois processos de impeachment contra o governador e a vice. O senhor entende que hoje o governo está em crise política?
Carlos Moisés da Silva – Um processo questiona uma equiparação salarial, sem justa causa. Então a primeira questão é que é um processo sem fundamento jurídico. Todo processo de impeachment, que também é político, precisa ter uma base jurídica. Esse não tem. Aliás, o ex-ministro do STF, Antonio Cezar Peluso, aponta que não há crime de responsabilidade pelo governador, e obviamente não haveria da vice-governadora. Ele vai até um pouquinho mais além: diz que se o governador colocasse obstáculo à execução aí sim ele cometeria crime de responsabilidade. O Ministério Público arquivou a notícia de fato em relação a isso. O TCE também deu parecer pela ausência de qualquer ato de decisão ilegal praticado pelo governador. Ou seja, não há nada de ilegal no cumprimento de uma decisão que transitou em julgado, e que foi avalizada pelos procuradores do Estado. Se o governador não ouvir a sua Procuradoria… aliás, nem teve decisão do governador porque foi uma decisão do Conselho Superior [da PGE]. Nós entendemos que esse é um processo que vai ser superado, temos otimismo porque a gente está conversando com os deputados e acreditamos no desfecho favorável ao governo, com diálogo com todos os partidos políticos. A gente sabe que esse vai ser um assunto suprapartidário. Então atrai a responsabilidade de todos, independente de linha ideológica. Todos os partidos que votarem ou deixarem de votar no impeachment têm uma participação. A gente entende que, em não havendo justa causa, os deputados vão ser favoráveis ao governo. Nós temos até um outro pedido [de impeachment] na sequência. A gente observa que é um instrumento democrático que não pode ser banalizado. Ele tem sido banalizado na Assembleia e o povo catarinense não quer essa briga política. Nós estamos transformando um instrumento democrático importante em banalização e numa mera briga política.
RCN – O governo já tem os 14 votos necessários?
Moisés – A gente acredita que sim. Nós não reunimos toda essa base num mesmo local. Eu acho que isso é importante para mostrar a segurança que o governo tem, mas estamos construindo com todos os partidos e a gente percebe que esse não é um assunto simples para o deputado votar, num ano de eleição, num ano em que as pessoas cobram. Aí perguntam o porquê da briga política? É um movimento de tapetão mesmo, de querer retirar num único movimento político um mandato conquistado nas urnas, um mandato legítimo. É uma tentativa de virada de mesa. Isso também traz responsabilidade para aqueles deputados que são coerentes com os seus princípios, e a gente está acreditando realmente que a verdade vai prevalecer, e que nós teremos esse percentual [um terço, ou 14 votos] para barrar os processos de impeachment.
RCN – O senhor falou da participação de partidos. O PSD tem declarado oposição. O MDB, por exemplo, não se posicionou mas pretende votar em conjunto. Quais partidos estarão com o senhor?
Moisés – Eu acredito que inclusive o MDB. Os partidos que você citou, inclusive o PSD, não necessariamente… Os deputados têm a liberdade de eventualmente votar isoladamente. Nós não acreditamos que estejam todos unidos contra o governo, mas todos os partidos podem estar conosco. Com alguns nós temos conversas já bem adiantadas, até a possibilidade de fazermos um governo de coalizão. A gente está abrindo de fato a conversa para distribuir o peso da gestão, o peso de carregar todas as responsabilidades do Estado, compartilhar isso com a Assembleia Legislativa. De certo modo isso é legítimo também. Obviamente que isso não é o ponto principal, mas o governo está aberto ao diálogo. Nós temos vários movimentos de partidos que estão determinando votar em bloco e alguns já sinalizaram para nós que são favoráveis sim a bloquear o processo de impeachment, são favoráveis ao governo porque entendem que não é legítimo o movimento. É um momento inadequado em que o governo luta para sair de uma pandemia, para cuidar da saúde das pessoas, [um movimento] até covarde.
RCN – Então a gente pode ver algum deputado ocupando secretaria de governo em breve?
Moisés – O governo está aberto sim a essa possibilidade. Mas a gente tem percebido que isso não é prioridade para os deputados. Eles não têm colocado isso como uma condicionante. Mostra que nós temos deputados com envergadura para estarem ali na Assembleia e têm votado pela sua consciência. Muitos nos procuram para dizer “olha, eu não vou participar disso daí”. Eu estou vendo claramente que é um movimento para derrubar, com tomada pura e simples do poder, sem justa causa. De qualquer forma o governo senta, conversa, para dividir a responsabilidade de gestão com os deputados também e formar uma base pelo menos mais sólida. Tivemos um primeiro ano de governo em que nós tivemos uma base que nos ajudou a governar, aprovar os nossos projetos. Depois, 2020 veio a pandemia, que afastou a todos. O que a gente faz agora é reconstruir a base que nós tínhamos, talvez de uma forma ainda mais amalgamada, com participação sim no governo, não há nenhum problema, desde que os princípios sejam os mesmos, que a ideia republicana esteja em alta.
RCN – Quando o senhor se manifestou pela primeira vez no processo de impeachment, disse que “lamentava decisão do presidente da Assembleia”. Existe hoje uma disputa entre o Moisés e o Julio Garcia?
Moisés – Eu entendo que o movimento que o presidente da Assembleia praticou afronta as eleições, afronta os resultados das urnas e tem o objetivo muito claro: de desgastar a gestão estadual. Isso a gente percebe claramente.
RCN – O senhor se elegeu com a roupagem da nova política. E o deputado Julio é um político antigo no cenário catarinense. Existe uma disputa entre as chamadas nova e a velha política?
Moisés – Vou usar a expressão ‘a boa política’. Nem a nova, nem a velha. Todos estão passíveis de praticar a boa política, mesmo aqueles que têm praticado uma política ruim. Nosso governo começou assim, tentando conversar com todos, trazer uma relação republicana, sem barganhas. Fizemos uma composição de um governo técnico, assim como o nosso presidente [Jair] Bolsonaro fez em Brasília. Isso foi a proposta inicial com os deputados e nos garantiu governabilidade sim no primeiro ano, com ações de deputados participando do governo. O que eu vejo hoje é que não é por ser antigo que pratica a velha ou a má política. E também não é por ser novo na política que se pratica a nova política, ou a boa política. As pessoas têm comportamentos. Nós não queremos rotular, mas sim entender os movimentos de cada um. Aqueles que se aproximam do nosso governo pelas boas práticas, para somar com o Executivo… Porque o deputado tem um papel fundamental em trazer as demandas e também representar o cidadão. Quando isso é entendido, a receita está posta para funcionar, mas sempre vem das pessoas, sempre vem do administrado e não de quem administra. Quando nós estávamos na campanha, dizíamos que o governo tem que ser bom não para quem governa, mas para quem é governado. Todos que têm essa bandeira, podem estar conosco.
RCN – Esses dois processos também envolvem a vice Daniela Reinehr. Isso aproximou vocês?
Moisés – É um absurdo, é surreal, o impeachment contra o governador do Estado. E pode multiplicar isso por dez em relação à vice-governadora, que passou seus poucos dias como governadora do Estado. Foram cerca de dez dias e ela não tem absolutamente nada a ver com os fatos. Isso mostra ainda mais que o objetivo não é tirar o governador Moisés, mas sim contra o governo. É tomar um governo. O objetivo é a tomada do poder. Se não há justa causa contra o governador, há menos justa causa contra a vice. E a relação… a gente tem conversado bastante sim. É um momento de ajuda mútua. Não é inteligente qualquer tensionamento. Eu acho que isso ficou entendido também por ela.
RCN – A defesa de Daniela pede que o processo tenha julgamentos separados. Um para a vice, outro para o governador. O senhor concorda com essa tese?
Moisés – Essa é uma decisão lá da Assembleia. Nós temos poucos regulamentos nacionais, legislação que regule, estabeleça ritos etc. em relação a processo de impeachment, porque é algo que não é comum. Tivemos lá em 94, 95 um processo que foi arquivado aqui no Estado [Na verdade, o processo contra o ex-governador Paulo Afonso Vieira foi em 1997]. Mas, fora isso, nós não temos ritos estabelecidos. Essa é uma questão que a gente discute judicialmente também e, ao mesmo tempo, é papel da própria Assembleia Legislativa definir isso.
RCN – A investigação acerca dos respiradores foi remetida ao STJ e houve a notícia recentemente de abertura de inquérito na Polícia Federal para apurar suposta participação do governador. Como o senhor recebeu essa notícia?
Moisés – Eu acredito que não há nada de novo até agora porque houve a abertura da investigação por nós aqui inicialmente. Eu determinei que fosse aberto um inquérito policial. Chamei o delegado-geral de polícia assim que tomei ciência dos fatos, que chamasse a Interpol etc. Acionamos a Procuradoria-Geral do Estado, junto com a Fazenda, conseguimos recuperar em ação judicial 14 milhões dos 33 e esse processo é importante de fato que fique clara a participação de cada responsável nessa compra, que foi uma compra que não resultou em benefício para o Estado, obviamente. Foi uma compra mal realizada por falta de garantia, num momento difícil que o Brasil passava e que vários estados passaram essa dificuldade. Então o fato desse processo subir pela simples e mera citação do governador sem qualquer prévio juízo de valor, que foi o que aconteceu, não há fundamento, não há nada que responsabilize o governador. Até porque eu sei como eu me comporto, nos meus 30 anos de serviço público ao Estado de Santa Catarina. Não seria agora diferente. E também porque me parece que segue aí o que determina a jurisprudência e a Constituição na medida em que um governador é citado. Nem foi o governador Moisés, foi um governador, mensagens de terceiros repassadas para outros [Ele se refere ao indício apontado pela Justiça para remeter o caso ao STJ, que é uma conversa que cita apenas a palavra “governador”]. Há muita fragilidade nisso tudo, e a gente espera que a justiça prevaleça. Esse que é o nosso pedido, sempre ao STJ e ao Ministério Público Federal, à Procuradoria-Geral da República, que é celeridade e justiça.
Adjori/SC
Foto: Maurício Vieira – Secom