Eleições nos EUA: de ‘ele vai ser reeleito’ a ‘não é o mais importante do mundo’, o que Bolsonaro já disse sobre Trump
A declaração ocorreu pouco depois de o candidato democrata Joe Biden chegar mais perto de derrotar Trump e ser eleito o próximo presidente dos Estados Unidos, conforme avança a contagem de votos em Estados-chave.
Nesta manhã, Biden passou à frente do republicano na apuração de votos nos Estados da Geórgia e da Pensilvânia, ficando mais perto de conquistar os 270 delegados necessário para chegar à Casa Branca.
Nos EUA, a eleição para presidente é indireta, feita a partir dos delegados que os candidatos conquistam pela maioria dos votos recebidos em cada Estado. Até o início da tarde desta sexta-feira no Brasil, o placar estava em 253 delegados para Biden e 213 para Trump.
Dos Estados com resultado ainda em aberto, o democrata também lidera em Nevada e Arizona, enquanto Trump está na frente no Alaska e na Carolina do Norte — a vitória apenas nesses dois, porém, é insuficiente para ser reeleito.
“Eu não sou a pessoa mais importante do Brasil, assim como Trump não é a pessoa mais importante do mundo, como ele bem mesmo diz. A pessoa mais importante é Deus, a humildade tem que se fazer presente entre nós”, afirmou Bolsonaro, ao discursar em Florianópolis, durante formatura de 650 agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
A declaração é uma mudança de tom em relação ao que o presidente tem falado sobre Trump e a eleição americana. Bolsonaro manifestou diversas vezes torcer pelo republicano, contrariando a tradição diplomática brasileira de não interferir em pleitos de outros países — estratégia que permite estar bem posicionado para estabelecer relações com o governo eleito, seja ele qual for.
Na quarta-feira, quando a apuração dos votos avançava nos Estados Unidos e já indicava probabilidade maior de vitória para Biden, Bolsonaro disse que “a esperança é a última que morre” ao ser questionado por uma apoiadora sobre a situação de Trump.
Pesquisas apontavam vitória de Biden
A apuração dos votos está confirmando a vitória democrata que já era apontada nas pesquisas de intenção de voto há semanas, o que não impediu Bolsonaro de seguir demonstrando seu desafeto por Biden e sua preferência por Trump.
Embora a admiração do presidente brasileiro por Trump não necessariamente tenha trazido vantagens reais para o Brasil no cenário internacional, o governo Bolsonaro deu preferência desde o início para a relação bilateral com o país em detrimento de outras alianças, como com a China e países latino-americanos.
A princípio, uma mudança de governo nos EUA não necessariamente traria um problema para o governo Bolsonaro, segundo analistas políticos, já que a relação dos dois países tem sido pautada por pragmatismo em todos os governos desde a redemocratização brasileira.
Recentemente, o embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster Junior, afirmou que independentemente de quem vença o Brasil vai continuar a manter boas relações com o país.
No entanto, a atitude do presidente brasileiro pode complicar esse cenário em caso de vitória de Biden. Conforme as eleições americanas foram se aproximando, Bolsonaro não apenas reforçou sua admiração por Trump como passou a emitir declarações com forte retórica contra Biden.
“Bolsonaro e Trump com certeza vão manter contato, e (em caso de vitória de Biden) ter um presidente brasileiro ativamente apoiando a oposição nos EUA pode complicar uma tentativa de Biden de ter uma relação pragmática com Brasil”, disse Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, à BBC News Brasil.
Abaixo, entenda cinco momentos em que o presidente Jair Bolsonaro demonstrou sua preferência por Trump e seu desgosto por Biden.
‘Espero comparecer à posse de Trump’
O episódio mais recente foi durante a visita de uma delegação do governo americano liderada por Robert O’Brien, conselheiro de segurança nacional, em 20 de outubro.
“Espero, se for a vontade de Deus, comparecer à posse do presidente [Trump] brevemente reeleito nos EUA. Não preciso esconder isso, é do coração”, afirmou o presidente Bolsonaro.
“Não interfiro, mas é do coração. Pelo respeito, pelo trabalho e pela consideração que ele teve conosco eu manifesto dessa forma neste momento”, disse.
“Desde o primeiro contato nasceu entre nós um sentimento de cooperação, de buscar o bem para seus países; de apagarmos o que tínhamos de não feito corretamente por quem nos antecedeu no tocante à devida representação que nossos países merecem.”
A delegação tinha como objetivo oficial a assinatura de um pacote comercial entre os dois países, mas também fez parte de um esforço dos EUA em pressionar autoridades de países sob sua influência a criar barreiras para a empresa chinesa Huawei no mercado de 5G.
‘Lamentável, Sr. Joe Biden’
Um dos momentos em que Bolsonaro usou de retórica mais forte contra Biden foi após o primeiro debate eleitoral entre o democrata e Trump, no final de setembro.
Biden disse durante o debate que, se eleito, “começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a Amazônia”.
“(A comunidade internacional diria ao Brasil) aqui estão US$ 20 bilhões, pare de destruir a floresta. E se não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas”, afirmou Biden.
A declaração gerou uma resposta imediata e revoltada de Bolsonaro, que classificou o comentário como “lamentável”, “desastroso e gratuito” e fez uma série de postagens críticas a Biden no Twitter.
“Custo entender, como chefe de Estado que reabriu plenamente a sua diplomacia com os Estados Unidos, depois de décadas de governos hostis, tão desastrosa e gratuita declaração. Lamentável, Sr. Joe Biden, sob todos os aspectos, lamentável”, escreveu o presidente.
“O que alguns ainda não entenderam é que o Brasil mudou. Hoje, seu Presidente, diferentemente da esquerda, não mais aceita subornos, criminosas demarcações ou infundadas ameaças. NOSSA SOBERANIA É INEGOCIÁVEL”, escreveu o presidente.
Apesar de Bolsonaro dizer com frequência que governos anteriores eram hostis aos EUA, a relação diplomática entre os dois países sempre foi bastante amigável nos governos pós-redemocratização.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tinha uma boa relação com o democrata Bill Clinton, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também era bastante próximo tanto do republicano George W. Bush quanto de seu sucessor, o democrata Barack Obama.
A relação da ex-presidente Dilma Rousseff com Obama ficou um pouco mais distante após revelações de que ela chegou a ser espionada pela NSA (agência nacional de segurança dos EUA), mas nunca chegou a ser hostil.
‘Cobiça internacional’
Embora não tenha citado Biden nominalmente, Bolsonaro usou a cúpula da ONU sobre biodiversidade para rebater o americano sobre a Amazônia.
Na manhã seguinte ao debate e algumas horas após as críticas feitas à Biden no Twitter, Bolsonaro enviou um discurso gravado (que foi exibido durante o evento) em que falou em “cobiça internacional” pela Amazônia.
“Rechaço, de forma veemente, a cobiça internacional sobre a nossa Amazônia. E vamos defendê-la de ações e narrativas que agridam a interesses nacionais”, afirmou o presidente.
“Não podemos aceitar que informações falsas e irresponsáveis sirvam de pretexto para a imposição de regras internacionais injustas, que desconsiderem as importantes conquistas ambientais que alcançamos em benefício do Brasil e do mundo”, disse.
‘A gente torce pelo Trump’
Bolsonaro também já usou as apresentações ao vivo que faz em sua página do Facebook para comentar as eleições americanas.
“A gente torce pelo Trump. Temos certeza que vamos potencializar e muito o nosso relacionamento”, disse o presidente em 16 de agosto.
Logo em seguida disse que “o Brasil vai ter que se virar” em caso de vitória de Biden.
“Se der o outro lado, da minha parte eu vou procurar fazer algo semelhante [procurar ser próximo aos EUA]. Se eles não quiserem, paciência né? O Brasil vai ter que se virar por aqui”, disse Bolsonaro.
BBC