Pesquisa de longa duração gera e transmite conhecimento sobre biodiversidade de Santa Catarina

Pesquisa de longa duração gera e transmite conhecimento sobre biodiversidade de Santa Catarina

A descoberta de uma planta cujo nome homenageia Demogorgon, o monstro da série Stranger Things; a descrição de uma espécie de fungo que já figura na lista de ameaçadas de extinção; o lançamento de dois livros voltados para o público geral; a realização de uma semana de ciência onde centenas de estudantes aprenderam sobre conservação da biodiversidade.

Esses são alguns resultados alcançados em menos de dois anos pelo Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração – Biodiversidade de Santa Catarina (PELD-BISC), formado por um grupo de instituições e pesquisadores que fazem estudos sistemáticos sobre ecologia desde 2013 – e que continuarão pesquisando pelo menos até 2024.

As pesquisas têm sido realizadas principalmente em uma das áreas mais importantes da Mata Atlântica no Estado: o Parque Nacional de São Joaquim (PNSJ), localizado na Serra Catarinense. Essa unidade de conservação federal, além de ter uma paisagem exuberante, apresenta características ecológicas únicas devido à sua topografia, ao histórico de uso da terra e à diversidade de ecossistemas.

“Estamos formando pesquisadores e aumentando nosso conhecimento sobre a biodiversidade”, afirma Selvino Neckel de Oliveira, professor do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do projeto. “E estamos buscando interagir com as comunidades para mostrar as nossas descobertas. Elas são nossas aliadas para a preservação ambiental.”

O projeto catarinense iniciou oficialmente em 2018, após ser aprovado em um editalPELD lançado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa Catarina (Fapesc) é signatária do programa.

O presidente da Fapesc, Fábio Zabot Holthausen, destaca a importância da realização de pesquisas de longa duração em Santa Catarina, especialmente ligadas ao estudo da biodiversidade. “Com isso, podemos avaliar o impacto de mudanças climáticas e identificar novas espécies. Esse é um projeto muito importante não só para o nosso Estado, mas para o Brasil. Temos acompanhado de perto os resultados e os impactos dessa pesquisa”, afirma.

Em 2020, o PELD-BISC foi selecionado em novo edital, garantindo que as pesquisas continuem até 2024. A maioria das instituições e dos pesquisadores, porém, atua em conjunto desde 2013, após serem selecionados para participar do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Com a estrutura que começou a ser montada em 2013 e com os resultados alcançados – como artigos científicos publicados em revistas internacionais, capítulos de livros e formação de estudantes desde iniciação científica até pós-doutorado –, o PNSJ passou a receber mais pesquisadores. “A base de qualquer unidade de conservação é a pesquisa, que gera dados e produz informações relevantes para garantir sua conservação”, explica Neckel de Oliveira. 

Descobertas

Desde então os pesquisadores têm realizado diversos estudos. Foram descritas novas espécies de fungos, insetos e plantas. Também foram registrados, por meio de armadilhas fotográficas espalhadas pelos ecossistemas, animais emblemáticos da fauna brasileira, como o puma ou onça-parda (Puma concolor) e o veado-catingueiro (Mazama gouazoupira). O monitoramento contínuo da biodiversidade gera uma grande base de dados, importante, por exemplo, para avaliar os impactos das mudanças climáticas.

Uma das descobertas recentes no PNSJ foi a espécie de fungo Fomitiporia nubicola, parasita da árvore casca d’anta (Drimys angustifolia). Por apresentar uma distribuição restrita, entrou para a lista de espécies em risco de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em Inglês) na categoria vulnerável. Ela é encontrada apenas em matas nebulares, que são ambientes ameaçados devido às mudanças climáticas e às ações humanas.

O grupo recebeu financiamento The Mohamed bin Zayed Species Conservation Fund para realizar o primeiro estudo com uma espécie fúngica ameaçada de extinção do Brasil. “Os fungos têm várias finalidades, como a de ser comestível. Alguns são decompositores. Imagine um mundo sem decompositor? Nada iria apodrecer, não haveria humos e nada iria crescer. Esse fungo precisa ser estudado para melhor entendermos sua distribuição e grau de ameaça”, comenta Neckel de Oliveira.

Outra descoberta foi de uma planta de três pétalas que vive nos vassourais, extensos aglomerados de arbustos do PNSJ. Ela é uma parasita de raízes. Recebeu o nome de Prosopanche demogorgoni, uma homenagem ao monstro da série da Netflix Stranger Things – suas pétalas se parecem com a boca do Demogorgon. O gênero está presente em grande parte da América Latina, mas foi descrito pela primeira vez na Mata Atlântica.

Divulgação

Os pesquisadores também têm feito um esforço para divulgar suas descobertas. Foram lançados dois livros voltados para o público geral. Um deles, inclusive, para o público infantil. ‘A descoberta nas pequenas coisas’ busca, por meio de uma linguagem fácil e atrativa, chamar a atenção dos pequenos para o mundo dos fungos. A publicação narra, por exemplo, como um fungo usa as formigas para completar seu ciclo de vida.

“Este fungo ataca e controla o comportamento das formigas. Na verdade, ele faz com que a formiga procure um local específico para morrer, um local que seria perfeito para o fungo liberar os seus esporos e contaminar outras formigas na floresta”, explica o professor Elisandro Ricardo Drechsler-Santos, doutor em Biologia de Fungos e vice-coordenador do PELD. Ele assina a autoria do livro com Cauê Azevedo Tomaz Oliveira e Weslley Ribeiro Nardes.

Outro e-book lançado foi “Ofidismo em Santa Catarina: identificação, prevenção de acidentes e primeiros socorros”. Fruto do trabalho de diversos pesquisadores, o objetivo é contribuir, por meio de informações científicas, com a redução no número de acidentes com serpentes no Estado e para que a prestação de socorro às vítimas destes acidentes seja adequada, reduzindo as fatalidades e a gravidade das sequelas. O e-book foi coordenado por Neckel de Oliveira.

No ano passado também foi promovida a 1ª Semana da Ciência do Parque Nacional de São Joaquim, em Urubici. Palestras sobre a importância da conservação foram realizadas para 687 estudantes, além de uma exposição sobre fauna, flora e funga da região feita por estudantes de graduação e pós-graduação. “Nós aprendemos a fazer ciência e a conversar dentro da universidade. Mas temos buscado fazer essa interação com a comunidade”, avalia Neckel de Oliveira.

Novas pesquisas

O projeto foi selecionado novamente no edital PELD 2020, inclusive com a participação de uma universidade do Reino Unido, a University of East Anglia. “O nosso trabalho aumentou. Estamos interessados em responder questões que possam contribuir para a gestão do parque e para a harmonia da região também”, afirma Neckel de Oliveira. Um dos experimentos envolve a relação entre biodiversidade e fogo no PNSJ.

Uma pesquisa, que resultou na tese de doutorado de Rafael Barbizan Sühs e em um artigo na revista Scientific Reports, mostrou que em vários casos a paisagem dos campos do sul do Brasil só existem por causa do pastoreio do gado e dos regimes de fogo – essa paisagem foi domesticada desde a época pré-colombiana. Sem esse manejo, cresce uma biomassa seca que aumenta o risco de incêndios, incluindo nas matas com araucárias.

Os experimentos serão realizados em parceria com produtores rurais da região. “É preciso conhecer melhor o sistema para saber se o gado e o fogo contribuem para aumentar ou diminuir a biodiversidade. Precisamos acompanhar a longo prazo”, explica Neckel de Oliveira. Em regiões como o Cerrado o fogo controlado é uma das estratégias usadas para fazer o manejo.

Risco da diminuição

Umprojeto de lei no Senado Federal quer redefinir o traçado do Parque Nacional de São Joaquim e alterar seu nome para Parque Nacional da Serra Catarinense. Criado 1961, a UC foi ampliada em 500 hectares em 2016 – chegando a 49.800 hectares.

O PELD-BISC, junto com a Secretaria Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em Santa Catarina, vê com preocupação a possibilidade de redução de 20% do parque. Além de abrigar uma grande quantidade de espécies em risco de extinção e uma paisagem única, a área protegida traz segurança hídrica para o Estado.

“No subsolo do parque está boa parte do Aquífero Guarani, um bolsão de água gigantesco. O parque é um dos lugares que mais abastece o aquífero. Tem ainda a nascente do Rio Canoas, que vai formar o Rio Uruguai. São nascentes de rios importantíssimos. Quem está fora do parque, precisa de água. A questão é ainda mais importante porque estamos sendo afetados por uma seca desde o ano passado”, comenta Neckel de Oliveira.

LINHA DO TEMPO

2012

Formado o Programa de Pesquisas em Biodiversidade de Santa Catarina, através do edital MCT/CNPq nº 35/2012 – PPBio/ Geoma – Redes de Pesquisa, Monitoramento e Modelagem em Biodiversidade e Ecossistemas. Participaram pesquisadores e colaboradores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB); Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI); Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC); Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO).

2013

Início das pesquisas no Parque Nacional de São Joaquim (PNSJ), na Serra, e no Parque Estadual do Acaraí (PEAC). Foram instaladas 45 parcelas permanentes no sistema RAPELD, método de coleta de dados padronizados.

O projeto finalizou em março de 2017. Foram publicados mais de 10 artigos científicos, capítulos de livros e contribuiu com a formação de mais de 20 alunos de graduação e pós-graduação, incluindo quatro mestrados, cinco doutorados e dois pós-doutorados.

2016

O projeto “Biodiversidade de Santa Catarina: investigando a associação entre a paisagem e a diversidade biológica em duas unidades de conservação de Santa Catarina” foi aprovado na Chamada Pública CNPq/CAPES/FAPs/BC-Fundo Newton/PELD 15/2016 – Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD) 1, na qual a FAPESC é signatária.

2018

Como ficou um pouco abaixo da linha de corte orçamentário para obtenção de recursos, o CNPq sugeriu que a proposta fosse redimensionada com apoio financeiro da CAPES (bolsas) e da FAPESC (custeio) para o desenvolvimento das pesquisas. Assim, foi assinado em 2018 um Acordo de Cooperação Técnica entre CNPq/CAPES/FAPESC para propiciar a atuação conjunta no co-financiamento do projeto. A FAPESC fez o aporte de R$ 200 mil e a CAPES de R$ 288,9 mil para pagamento de bolsas. A vigência do acordo é dezembro de 2021.

Foram publicados cinco artigos em revistas internacionais, dois e-books com livre acesso e está contribuindo com a formação de 12 alunos de iniciação científica (graduação), seis alunos de mestrado, cinco de doutorado e dois pós-doutorandos.

2020

O projeto “Biodiversidade de Santa Catarina: investigando a ecologia histórica e os efeitos de manejo para restauração e conservação da Mata Atlântica do Sul do Brasil” foi aprovado na chamada Pública CNPq/MCTI/CONFAP-FAPS nº 21/2020 – PELD. Receberá do CNPq R$ 359,7 mil – R$ 84,5 de custeio e R$ 275,2 em bolsas. Também foi selecionado em uma chamada suplementar da Fapesc nº 14/2020, no valor de R$ 200.000,00.

Além das instituições descritas acima, entraram no projeto a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR); University of East Anglia – Reino Unido e Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA). O projeto vai até dezembro de 2024.


Maurício Frighetto
Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de SC – Fapesc
E-mail: [email protected]
Telefone: (48) 99932-4209
Site: www.fapesc.sc.gov.br

CATEGORIA
Compartilhar com

Comentário

Disqus ( )