Porque precisamos de boas notícias

Porque precisamos de boas notícias

Este artigo não é sobre desastres, catástrofes ou crises. Este artigo não é sobre coisas más, sobre coisas que nos tiram o sono ou sobre coisas que nos causam ansiedade. Este artigo é sobre notícias. Boas notícias!

“A comida está para o corpo como a informação está para a mente. A informação que absorvemos vai transformar-se em emoções, pensamentos, ações e comportamentos. As consequências são menos visíveis, mas igualmente poderosas.”

A autora e investigadora Jodie Jackson lançou You Are What Read, um olhar crítico sobre o ciclo noticioso, as histórias que nele são incluídas e o efeito que essas mesmas histórias (muitas delas negativas) têm em nós enquanto indivíduos e sociedade. 181 páginas depois, o livro deixava um pedido muito simples: não vamos ignorar as notícias negativas; em vez disso, vamos escolher não virar a cara às positivas. Porque elas existem – e são importantes.

Em 2015, Shawn Achor e Michelle Gielan conduziram uma investigação, em parceria com Arianna Huffington, que pretendia examinar o efeito que as notícias têm no nosso bem-estar. Como os próprios explicaram num artigo publicado na  Harvard Business Review, o estudo consistiu em juntar 110 participantes e dividi-los em dois grupos: um deles assistiu a três minutos de notícias negativas antes das 10 da manhã, enquanto o outro viu três minutos de notícias solution-focused, isto é, histórias de resiliência que cimentam a crença de que o nosso comportamento importa.

“Ficamos muito surpresos com os resultados, porque os efeitos eram muito mais significativos e dramáticos do que aquilo que esperávamos”, escreveram os autores do estudo, após concluírem que os indivíduos que tinham visto más notícias estavam 27% mais dispostos a reportar, seis a oito horas depois, que tinham tido um dia mau. Por outro lado, aqueles que tinham visto notícias solution-focused reportavam que tinham tido um dia bom.

A parte mais complicada de tudo isto? Não é apenas o conteúdo que nos afeta – o número de notícias a que estamos expostos diariamente também tem efeitos muito óbvios no nosso bem-estar.

“É possível que isto seja uma coisa vergonhosa de admitir, especialmente para uma jornalista, mas estou cansada das notícias. Estou exausta. Todas as manhãs, o alarme do meu rádio acorda-me com as manchetes e, instantaneamente, quero tapar a cara com o edredom e voltar a dormir.” Bryony Gordon, que escreveu estas palavras num artigo do The Telegraph em dezembro passado, está longe de ser a única a sentir aquilo que chamamos de fadiga informativa – de acordo com dados do Relatório de Jornalismo Digital do Instituto Reuters da Universidade de Oxford, 31% dos portugueses e 41% dos norte-americanos já deram por si a evitar as notícias, e 58% dos britânicos dizem que as notícias os fazem sentir tristes e maldispostos; enquanto isso, um estudo do Pew Research Center reportava que 66% dos norte- americanos se sentem desgastados pela quantidade de notícias que existem. E, segundo um artigo publicado no site da revista Wired, em fevereiro, o mundo já começou a mostrar os primeiros sinais de fadiga informativa em relação ao novo coronavírus. 

“EM TEMPOS, ALGUÉM ME PERGUNTOU QUANTAS PESSOAS EXISTIAM NA MINHA EQUIPE, E EU RESPONDI UM MILHÃO.” MICHELLE FIGUEROA, GOOD NEWS MOVEMENT

O que é que fazemos quando as pessoas estão fartas das notícias? A resposta parece estar numa perspetiva equilibrada da realidade, num jornalismo construtivo, num conteúdo focado não só em problemas, mas também em soluções. Não só aí, mas também nas boas notícias, daquelas que aquecem o coração, que enchem as veias com esperança, que arregalam os olhos com o melhor da humanidade. Como o pequeno grande gesto de duas crianças que distribuíram lenços de papel e papel higiénico em Brisbane, na Austrália, para aqueles que não conseguiram comprar esses mesmos itens antes de esgotarem nos supermercados. Como a história por detrás da voz que diz “Mind the Gap” na estação de Embankment, em Londres, diferente de todas as outras na linha de metro para que Margaret McCollum, viúva de Oswald Laurence, pudesse continuar a ouvir a voz do marido todos os dias. Como o exemplo de Jonathan Jones, um rapaz daltónico que, aos 12 anos, é surpreendido com um par de óculos EnChroma e vê cor pela primeira vez. A reação do adolescente está documentada num vídeo que, antes de se tornar viral e aparecer em diversos canais televisivos e artigos online, foi publicado pela primeira vez no Instagram @goodnews_movement – uma plataforma que, lado a lado com Upworthy, Tank’s Good News e Some Good News, para nomear apenas algumas, se dedica inteiramente a notícias positivas.

“Sou jornalista há dez anos e, desde o momento em que a minha primeira peça foi para o ar, sempre me senti atraída por histórias que mostram a bondade da humanidade”, conta Michelle Figueroa, fundadora do Good News Movement, à Vogue. “A minha primeira peça foi para um programa chamado Primer Impacto. Era sobre uma criança que tinha uma pele tão frágil como uma borboleta (epidermólise bolhosa), cuja atitude era muito inspiradora. Eu acredito que existe muita bondade no mundo, muito mais do que maldade, e não existia nenhum espaço jornalístico para isso.” Há um ano e meio, Figueroa preencheu essa lacuna. “Decidi encontrar-me com as pessoas onde elas estão. Tendo em conta que as pessoas passam, em média, quatro horas por dia nos seus telemóveis, porque não ir até aí?” O resultado não podia ser mais positivo – uma conta de Instagram seguida por mais de um milhão de pessoas, inteiramente dedicada a boas notícias, a atos de bondade e aos heróis que, todos os dias, tornam o mundo melhor. E não é disso que todos precisamos? “O número de seguidores duplicou desde que o surto [do novo coronavírus] chegou aos Estados Unidos”, diz Michelle.

“Histórias de pessoas que estão a apoiar os seus vizinhos numa altura de crise, ou a juntarem-se virtualmente e de forma segura para ajudar os outros. Por exemplo, vizinhos que se voluntariam para fazer compras para os mais idosos. Ou comunidades e bairros que se estão a reunir para ajudar hospitais, médicos e enfermeiros, de todas as formas que conseguirem. (…)

‘Deixámos estas coisas à porta de casa, como desinfetante, para o nosso carteiro’. Estas são as histórias que estão a ressoar agora.” Histórias essas que, como refere Michelle, fazem toda a diferença na nossa dieta mental.

“Se só consumirmos as coisas más, não vamos nos (sentir) bem, só nos vamos sentir em baixo. Se nos nutrirmos com a bondade que existe no mundo, vamos sentir-nos positivos, elevados e inspirados”, defende.

“Nesta altura, em que estamos confinados às nossas casas, é muito fácil sentirmos ansiedade por causa de toda a incerteza, mas a minha página tem sido um conforto de que, juntos, conseguimos ultrapassar isto.”

“Esta pandemia é uma experiência universal, diferente de tudo aquilo que eu e tu já vimos. Ninguém sabe bem o que fazer ou como lidar com isto. Nós somos uma marca global, e se conseguirmos criar um sentido partilhado de solidariedade e comunidade ao mostrar os italianos a cantarem nas suas varandas, as pessoas em Portugal a fazerem aquilo que estão a fazer, o pessoal em Brooklyn a juntar-se à sua própria maneira, tu vais sentir que fazes parte de uma família humana. E é isso que faz com que as pessoas se sintam mais ligadas enquanto estão em isolamento.” Para Michelle, este sentido de comunidade também está muito presente no Good News Movement. “No mês passado fiz uma campanha de positividade para celebrar o fato de ter chegado a um milhão de seguidores, na qual pessoas em todo o mundo diziam, ‘Eu sou good news movement porque nós somos as boas notícias’. É interessante: as pessoas costumam procurar por boas notícias na televisão ou nos jornais, mas as pessoas, em si, são as boas notícias… Independentemente de onde estamos, ou das circunstâncias, nós somos capazes de ser e criar boas notícias. Pode soar clichê, mas a mudança começa dentro de cada um de nós.” E continua: “A palavra ‘movimento’ está no título [do Good News Movement] porque isto é mesmo um esforço coletivo. Em tempos, alguém me perguntou quantas pessoas existiam na minha equipe, e eu respondi um milhão. As pessoas enviam as suas histórias ou as histórias dos seus vizinhos, amigos, colegas, e esta plataforma amplifica histórias dos seus bairros para o mundo. Recebo mensagens de apoio todos os dias – pessoas que me dizem ‘obrigada’ por elevar os seus espíritos ou por as inspirar a agir com bondade. Para mim, isso é a melhor recompensa.” 

É essa a magia das boas notícias: a capacidade de criar uma onda de positividade, cimentar uma comunidade global e plantar empatia onde antes existia divisão.

Espero que vejamos isso mais e mais, e que chegue também a revistas, jornais e outros meios onde as pessoas consomem informação, porque de um ponto de vista da saúde mental, nós precisamos disto. Nós precisamos de notícias que não nos façam sentir constantemente deprimidos. Mais do que isso, precisamos do efeito bola de neve que estas notícias têm. “Os seres humanos, na sua maioria, estão programados para terem compaixão, e querem ajudar.

Seguindo esse conceito de relatar boas notícias, convidamos você leitor que queira dividir sua história de generosidade, envia para nosso endereço de e-mail: [email protected]

Vamos compartilhar boas notícias!

Edição: Mônica Bozinoski

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