Em meio ao caos, Eldorado do Sul tenta voltar a um cenário de “normalidade”
Localizada na grande Porto Alegre, a menos de 15 quilômetros da capital gaúcha, a cidade de Eldorado do Sul foi um dos epicentros da maior tragédia climática brasileira: as enchentes do Rio Grande do Sul.
Muitas das imagens que aterrorizaram o mundo saíram desta cidade e deixaram estarrecidas pessoas de todos os cantos do país e da cena internacional.
O município, de cerca de 40 mil habitantes, sofreu todo o castigo das águas que inundou 100% da cidade. O único local não afetado foi a partir do primeiro andar do prédio da Prefeitura, que recebeu desde desabrigados a equipes médicas e servidores que criaram no espaço um gabinete para fazer o gerenciamento de crise.
Desde então, são milhares de desabrigados, em abrigos dentro e fora do município. Muitos, também, foram para a casa de parentes e amigos, em outras cidades, e há, até mesmo, pessoas que precisaram dormir em carros, à beira da rodovia, num ambiente de medo e caos. Cinco vidas foram perdidas, e ainda há, pelo menos, duas dezenas de desaparecidos. O número chegou a 42, mas posteriormente muitas pessoas foram encontradas, após desencontros de informações. “Na hora, muitas pessoas saíram de suas casas e sequer tiveram tempo de informar outros familiares”, conta Natalie Pacheco Rodrigues, servidora da Secretaria da Educação que hoje auxilia nas demandas do Gabinete de Crise, criado para gerenciar a tragédia.
Enchente histórica
Município novo, desmembrado há menos de quatro décadas de Guaiba, outra cidade afetada pelas cheias, Eldorado do Sul sempre conviveu com enchentes, mas nada perto da proporção tomada no dia 3 de maio, quando as águas atingiram bairros e locais nunca antes afetados. “A gente nunca imaginava que ia chegar aqui”, conta Marco Antonio do Amaral, morador do bairro Sans Souci, que pela primeira vez viu sua residência ser tomada pela água. Ele teve o primeiro andar de sua casa alagada e hospedou mais de 20 pessoas entre o segundo e terceiro andar do local. Durante a madrugada, acompanhou, atônico, sentado numa cadeira colocada no terceiro piso de sua residência, o avanço da água. “Antes, subi carros, pulei o muro e salvei cachorros dos vizinhos que posteriormente vieram aqui pra casa. Também ajudei, monitorando com uma lanterna durante à noite, para que as casas não fossem saqueadas. Lamento ter ficado preso aqui e não ter conseguido efetivamente ajudar pessoas”, conta, apesar de hoje receber o agradecimento de vizinhos por ter salvos animais e proteger os bens de muitas famílias.
O pico
O pico do Rio Guaiba, na semana da primeira grande enchente em Eldorado do Sul, atingiu 5.35 metros, ultrapassando a cota histórica de 1941, de 4.76 metros. Atualmente, acima da cota de 2.50 metros, a cidade já entra em sinal de alerta. Além das águas do Guaiba, que tradicionalmente é o rio que gera os alagamentos pontuais em Eldorado, o município também foi atingido pelas águas que vieram do Rio Jacuí. “O que aconteceu é que, diferente do que ocorre com os alagamentos gerados historicamente pelo Guaiba, desta vez o Jacuí não atingiu somente a periferia (em 3 de maio), invadindo plantações e a rodovia e chegando a outras partes da cidade. Já a segunda enchente (em 14 de maio) ocorreu por causa da cheia do próprio Guaiba. São os dois grandes rios da região que, ao atingirem o pico, geraram essa enchente histórica”, explica Edvilson Cugik, chefe de operações e de assistência da Defesa Civil de Brusque, que foi à cidade gaúcha, junto com uma comitiva de mais três pessoas, para dar suporte ao município. “O grande problema é que as águas aqui demoram muito a baixar, cerca de 15 a 20 dias, e isso ocasiona um transtorno significativo à cidade”, afirma.
Reconstrução
Desde o último dia 3 de maio, duas semanas se passaram e, em meio a água que ainda não baixou em muitas localidades, o eldoradense ainda tenta entender tudo que aconteceu. É consenso entre todos, no entanto, de que a vida dos moradores nunca mais será a mesma.
Encarar a realidade da tragédia, todavia, não é uma opção para esse povo, mas sim uma obrigação para esses gaúchos que, ainda devastados, buscam recomeçar a vida. “Eu não tenho nada na minha casa”, conta uma moradora, desesperada, após enfrentar uma fila em busca de mantimentos, num centro de distribuição perto da prefeitura municipal. Lá, além de alimentos e kits de higiene, as famílias ainda recebem serviços básicos, como atendimento hospitalar. Brinquedos em meio às doações fazem a festa das crianças, que ainda não conseguem entender a dimensão dessa calamidade.
Conforme o coordenador de Defesa Civil de Eldorado do Sul, João Ferreira, mais de 6 mil famílias já foram assistidas com alimentos, mas ainda há muita gente precisando. “Agradecemos as pessoas de todo o Brasil, mas ainda temos uma carência muito grande de alimentos”, afirma, num depósito improvisado numa empresa, onde diariamente chegam caminhões com doações, posteriormente separados pelo Exército e entregues pelo município à população. “Toda e qualquer espécie de alimentação é muito bem-vinda, porque estamos vivendo um momento de profunda crise. A solidariedade do povo brasileiro ajuda a amenizar um pouco a dor da nossa população, mas o povo de Eldorado do Sul ainda continua precisando de ajuda”, comenta o secretário de Educação e coordenador de Logística do Gabinete de Crise, Gelson Antunes Santos.
O retorno
De acordo com a prefeitura, desde quinta-feira (16) muitas pessoas já começaram a retornar às suas casas, apesar de ainda haverem alguns bairros submersos. A tendência é de que, com o passar dos próximos dias e melhora no tempo, outras centenas de pessoas possam voltar, e Eldorado do Sul, aos poucos, tentar se reconstruir.
Na prefeitura, o abrigo provisório já foi desmontado e o poder público vai, ainda de forma tímida, retomando às atividades. Entre os desafios do município para esse recomeço ainda está há necessidade de mão de obra, para carga e separação de materiais destinados às famílias, bem como voluntários para ajudar em diversos serviços operacionais. “Muitas pessoas estão ajudando, mas logo essas pessoas vão embora e a cidade vai ter que conviver com tudo isso e se reconstruir. E não será algo fácil, pois não podemos resumir tudo que aconteceu a uma enchente, por todo impacto e destruição no município”, afirma Margenato Matos, um dos coordenadores do gabinete de crise.
Por fim, atualmente, cerca de 6 mil pessoas de Eldorado do Sul seguem abrigadas em abrigos de Eldorado do Sul e outros municípios. O número chegou a passar de 13 mil. Outros 20 mil moradores deixaram suas casas. Conforme o secretário de Planejamento, Josimar Cardoso, o grande desafio, agora, é fazer com que as empresas continuem na cidade e as pessoas acreditem nessa reconstrução. “O foco é cuidar da infraestrutura e fazer com que as pessoas retornem à cidade. Todos os postos de saúde, Ubs’, escolas de toda área urbana, foram destruídas, e temos que trabalhar para que essa reconstrução ocorra o mais breve possível, atuando também junto às empresas para preservar empregos”, afirma.
Texto e fotos: Sidney Silva