Ascensão e queda do Grupo Matarazzo: lições para empresas familiares

Ascensão e queda do Grupo Matarazzo: lições para empresas familiares

Falência de uma das maiores empresas do mundo deixa aprendizados para negócios, principalmente familiares

O grupo Matarazzo representou no Brasil uma espécie de “monarquia industrial” e era inconcebível a sua falência no auge de seu desempenho econômico, considerado o maior ícone do poder empresarial na América Latina.

As Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM) atingiram seu auge na década de 1940, quando o grupo era responsável por controlar mais de 350 empresas em diversos setores: alimentos, tecidos, bebidas, transporte, terrestre e marítimo, portos, ferrovias, estaleiros, metalurgia, agricultura, energia, bancos, imóveis, entre outros.

O prestígio do grupo no país fez com que se tornasse “representante do governo italiano no Brasil”, atuando como intermediário em transações entre os dois países.

Consolidada, influente e de expansão contínua. Porém, essa gigante do mercado hoje faz parte de uma história do passado.

Com ampla experiência no cenário corporativo, como conselheiro consultivo, consultor à frente da MORCONE Consultoria Empresarial, ajudando empresas de todos os segmentos e portes, com destaque para as empresas familiares, hoje quero abordar sobre o que levou à falência no grupo Matarazzo e as principais lições que as empresas podem tirar disso.

Falência do Grupo Matarazzo – do brilho ao colapso

A quebra do Grupo começou a irromper nas décadas de 1980 e 1990, na administração da terceira geração da família, as dificuldades financeiras eram muitas e o grupo se viu forçado a vender muitos de seus ativos valiosos. Progressivamente o Grupo foi perdendo o controle de suas operações.

A crise econômica no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, com ênfase na inflação e no alto custo para manter as operações diversificadas, estavam entre as principais causas da falência da organização.

Aliás, a diversificação de operações, que tinha representado uma das maiores razões de seu sucesso no início, tornou-se uma de suas principais fraquezas no fim de sua trajetória.

A jornada da glória à falência do grupo Matarazzo sempre gera importantes reflexões sobre o valor de uma gestão eficaz, de uma governança sólida e da diversificação estratégica.

Toda empresa, por mais estruturada e saudável que esteja no mercado, se não realizar continuamente a revisão de seu plano estratégico, se não contar com um conselho consultivo ou de administração preparado para direcionar quanto aos principais passos rumo ao futuro, pode entrar em declínio, mas a boa notícia é que erros passados podem servir como importante aprendizado para uma gestão bem-sucedida.

Principais lições da falência do Grupo Matarazzo

Um dos maiores impérios do Brasil durante boa parte do século XX pode trazer inúmeras lições, confira algumas das principais:

Revisite continuamente a gestão do seu negócio

A falência do Grupo Matarazzo teve como uma das principais razões, uma gestão ineficaz, além disso, a terceira geração da família não estava devidamente preparada para tomar importantes decisões e lidar com os principais desafios enfrentados pela companhia.

Por muitos anos, era possível fazer planos estratégicos para dez, vinte anos porque as mudanças ocorridas no mundo eram mais previsíveis do que são hoje em um mundo amplamente digitalizado e complexo.

A empresa estava em um lugar de consolidação no mercado, sendo assim, foi deixando para depois a preocupação quanto à modernização de suas operações e de sua gestão e seus executivos não estavam devidamente preparados para as decisões financeiras que deveriam ser tomadas.

Tenha uma boa gestão financeira

Um grande “iceberg” que levou à falência do grupo Matarazzo foram as dívidas exorbitantes resultado de empréstimos não saldados, como consequência, a IRFM teve vários prédios penhorados.

Em fevereiro de 2023, segundo o Indicador de Inadimplência das Empresas, divulgado pela Serasa Experian, foram registradas 6,5 milhões de empresas brasileiras negativadas, recorde da série histórica do índice, desde janeiro de 2016.  O volume de dívidas representa R$ 112,9 bilhões em dívidas atrasadas.

Dentre os principais motivos de endividamento que levam as empresas à inadimplência, se destacam: falta de planejamento financeiro; controle orçamentário; queda nas vendas e dependência de capital externo.

É fundamental uma gestão financeira equilibrada que tenha o bom controle do fluxo de caixa, capital de giro adequado, que priorize negociações de compra mais inteligentes, entre outros fatores.

Tenha planejamento quanto à diversificação de produtos/serviços

É comum ouvir “quem deseja fazer tudo, acaba não conseguindo fazer nada”, por isso é tão importante que as empresas tenham definido o seu core business (principal negócio) e se dedique a se aprofundar nos serviços/produtos que já possui.

O Grupo Matarazzo expandiu para diversas áreas, porém cada uma delas tinha características particulares e complexidades, o que tornou insustentável para a empresa conseguir concentrar recursos e esforços de forma eficaz.

Tenha foco e eficiência naquilo que já entrega, e uma vez consolidado este mercado, com planejamento, pense na possibilidade de agregar novos produtos/serviços.

Dê prioridade à inovação

Recentemente falei sobre o sucesso do Grupo Jacto e uma das ações dessa grande empresa é observar os principais movimentos tecnológicos da atualidade, para não ficar de fora na corrida acirrada pela inovação.

Enquanto concorrentes surgiam, investindo grandemente em modernização e inovação, o Grupo Matarazzo, em seu lugar de consolidação no mercado, não acompanhou essa evolução, o que impactou grandemente sua capacidade de competitividade no mercado.

Tenha uma governança corporativa sólida e boa gestão dos relacionamentos familiares

As questões acerca da governança corporativa no Grupo Matarazzo foram uma das principais causas de sua falência.

A organização enfrentava problemas familiares e essas disputas internas entre os membros da família, que resultavam em perspectivas desalinhadas sobre o futuro do negócio, contribuíram grandemente para o fim da jornada desta grande companhia.

A falta de transparência nas decisões da empresa envolvendo os membros da família ocasionou em conflitos familiares e, além disso, a falta de preparação no processo sucessório também foi determinante para a falência do Grupo.

Quando Ermelino Matarazzo, herdeiro do Grupo morreu em um acidente de carro, o patriarca Conde Francesco Matarazzo decidiu deixar a empresa para o seu filho, Conde Chiquinho, que não tinha capacidade administrativa naquele momento para assumir os desafios do negócio e essa decisão não foi contestada pela família.

A falta de especialização das lideranças para assumirem seus papéis e de maturidade no grupo para tomar a importante decisão de nomear o próximo sucessor, foram sérios agravantes que levaram à derrocada do Grupo.

Os interesses individuais da família estavam sobrepostos à responsabilidade diante dos stakeholders, o que a distanciava de seu propósito no mercado.

A ausência de fiscalização sobre os executivos da empresa, entre tantos erros, foi letal para a continuação do legado da companhia no mercado.

Vale a reflexão da importância dos papéis dos conselhos consultivo e de administração para auxiliar a empresa familiar a não se distanciar de seus valores e propósito, além de tomar as melhores decisões que visam a salubridade do negócio e permanência no mercado através das gerações.

Empresas familiares não podem sobreviver sem Governança Familiar

Outro ponto de destaque fundamental quanto ao Grupo Matarazzo foi a ausência de uma governança familiar para evitar os principais problemas decorrentes da dificuldade da divisão de fronteiras entre a família e a empresa.

Faz parte das boas práticas de governança familiar:

  • Definição e consolidação dos valores, da missão e da visão da família;
  • Manter os membros informados sobre a organização e suas decisões;
  • Ter um canal de comunicação formal para o compartilhamento de ideias, desejos e problemas, assim como para a resolução de conflitos, possibilitando a tomada de decisões de maneira assertiva.

O grupo não priorizava o planejamento sucessório, não havia estratégia clara e este foi um importante agravante para conflitos internos como disputas legais relacionadas à herança e à divisão de ativos que tiraram da família a atenção das operações comerciais.

A certeza de que era imbatível no mercado e de que não era preciso mudar, de que importantes decisões como a sucessão poderiam ser tomadas internamente sem a devida preparação estratégica, foram alguns dos fatores que resultaram no fechamento de portas dessa empresa promissora.

Esteja sempre apto a aprender, inovar, preze por um processo sucessório estruturado, por uma governança corporativa robusta, não esquecendo dos aspectos relacionados ao ESG. Foque em entregar com maestria seu produto/serviço antes de pensar em expansão e só faça isso com apoio profissional.

Empresas de qualquer segmento e porte podem fracassar pelos mesmos erros, por isso, extraia importantes lições do passado e planeje com segurança seus próximos passos.

Não existem novos erros! Existem novos empresários cometendo os velhos erros!

Carlos Moreira – Há mais de 37 anos atuando em diversas empresas nacionais e multinacionais como Manager, CEO (Diretor Presidente), CFO (Diretor Financeiro e Controladoria), CCO (Diretor Comercial e de Marketing). e Conselheiro Administrativo.

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