Depois de Francisco, Vaticano “terá um Papa para todos, mas de forma diferente”

Depois de Francisco, Vaticano “terá um Papa para todos, mas de forma diferente”

O padre jesuíta Hermínio Rico, atualmente em funções na sede da Conferência Jesuíta dos Provinciais da Europa, em Bruxelas, destaca um legado do Papa Francisco enraizado na realidade e centrado “nas pessoas e nos seus sofrimentos”. Em entrevista à TSF, no programa Fontes Europeias, sublinha que a força do pontificado de Francisco reside na “linguagem simples, nos gestos concretos” e na resposta a urgências sociais.

“Foi um pastor mais do que um teólogo. A sua linguagem era acessível, não precisava de tradução, não precisávamos de reler para perceber o que queria dizer. Isso é o que marca profundamente o seu estilo”, afirmou Hermínio Rico.

Antes de rumar a Bruxelas, Hermínio Rico exerceu, em Roma, o cargo de vice-assistente eclesiástico mundial da Comunidade de Vida Cristã (CVX) na Cúria Geral da Companhia de Jesus. Em missão, visitou 25 países em todos os continentes, numa intensa atividade de acompanhamento espiritual e coordenação internacional.

“Passei do mundo para a Europa”, resume, referindo-se à sua mudança para Bruxelas. “O trabalho atual é mais virado para dentro da Companhia e visa criar pontes, reunir pessoas, fazer perceber que têm interesses comuns e fomentar um espírito europeu de serviço ao bem comum”, detalhou.

Nos anos que passou em Roma, Hermínio Rico viveu a curta distância da Praça de São Pedro e, por várias vezes, cruzou-se pessoalmente com o Papa Francisco. “Ele visitava a Cúria dos Jesuítas duas ou três vezes por ano, almoçava com um grupo pequeno e depois, no café, fazia questão de cumprimentar um por um. Era uma saudação rápida, três ou quatro segundos, mas mostrava a sua proximidade, a atenção ao detalhe”, recordou.

O padre Hermínio Rico faz questão de frisar que não gosta da expressão “Papa Jesuíta” que comummente é atribuída a Francisco. “Francisco não foi o ‘Papa jesuíta’. Foi um jesuíta que se tornou Papa — [mas foi] o Papa de toda a Igreja. A sua mensagem não era a dos jesuítas, era a do Evangelho. Mas, inevitavelmente, a forma de olhar, a linguagem, as referências, estavam marcadas pela vida inteira como jesuíta”, detalhou.

Migração, ecologia, desigualdade: resposta a urgências

Na análise ao legado de Francisco, Hermínio Rico aponta a coerência entre a experiência pastoral do então arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, e as grandes causas do seu pontificado. “Trabalhou nas vilas, enfrentou crises económicas sucessivas na Argentina, lidou com a ditadura. Isso levou-o a pôr as pessoas no centro e a responder com urgência às dores do tempo presente”, frisou.

Entre essas urgências, destaca-se a defesa dos migrantes e refugiados, tema que marcou os primeiros anos do pontificado, mas que Hermínio Rico atribui a uma circunstância, que se impôs no tempo em que Bergoglio foi Papa e não uma escolha. “O Papa responde com o sentido de urgência. Ele vai àqueles que estão em maior necessidade, aos que estão mais ameaçados, aos que estão em mais dificuldade”, lembrou.

Do mesmo modo, ao referir-se à atenção do Papa Francisco a questões como “a crise ecológica”, Hermínio Rico destacou que “a abertura ao segundo tema marcante do seu pontificado (…) com a Laudato Si’, é na mesma uma resposta a uma urgência”. Neste caso, as questões ligadas ao ambiente. “Ele identificava os pontos onde o sofrimento era mais agudo, e era aí que se dirigia. Essa é a lógica de quem vive o Evangelho no concreto”, acrescentou.

Reações europeias

Questionado com as reações de líderes das instituições europeias à morte do Papa, que sublinharam a “compaixão, humildade e empenho pela justiça social”, Hermínio Rico vê nessas declarações o reconhecimento de um Papa com impacto para lá da Igreja. No entanto, insiste que “essa mensagem está inscrita na doutrina social da Igreja e tem sido promovida por outros Papas. A diferença está na forma, no estilo, no modo de chegar”.

Depois de Francisco

Sobre o futuro da Igreja depois do Papa Francisco, Hermínio Rico afasta a ideia de rutura com a linha de Francisco. “As mudanças fazem-se por sobreposição, não por corte. Cada Papa traz um novo estilo, novas ênfases. Pode haver um próximo Papa mais intelectual, menos pastoral. Isso muda a forma, não necessariamente o conteúdo”, afirmou o Padre Hermínio Rico, frisando “não espera reversões” nas reformas iniciadas por Francisco. 

“Espero continuidade com outras tonalidades”, afirmou, convicto que a Igreja continuará a ter “um Papa para todos, todos, todos”, embora “de forma diferente”.

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