Detidos 171 suspeitos. Abuso sexual em lares infantis expõe fragilidades da proteção infantil na Malásia

Detidos 171 suspeitos. Abuso sexual em lares infantis expõe fragilidades da proteção infantil na Malásia

As autoridades malaias resgataram 402 crianças, rapazes e raparigas, de 20 casas geridas pela Global Ikhwan Services and Business Holdings, um grupo que visa promover o modo de vida islâmico.

Uma operação da polícia a 20 lares islâmicos de assistência infantil na Malásia, onde centenas de crianças foram alegadamente abusadas sexualmente, expôs fragilidades na proteção das crianças no país, divulgou esta sexta-feira a agência de notícias Associated Press (AP).

As autoridades malaias resgataram 402 crianças, rapazes e raparigas, de 20 casas geridas pela Global Ikhwan Services and Business Holdings, um grupo que visa promover o modo de vida islâmico, durante uma operação da polícia que foi realizada na quarta-feira.

A polícia deteve 171 suspeitos, incluindo professores religiosos e cuidadores.

O grupo empresarial foi fundado por Ashaari Mohamad, que chefiou a seita islâmica Al-Arqam — um culto que foi considerado herético e proibido pelo Governo em 1994. Mohamad morreu em 2010, mas o grupo continuou as suas atividades.

Os detalhes dos alegados abusos nas casas provocaram indignação e choque na nação, predominantemente muçulmana.

Os ativistas apelaram a que todos os centros infantis fossem regulamentados e vigiados e que o departamento de assistência social reforçasse a fiscalização das instituições religiosas.

“O horrível abuso sexual e físico que foi reportado (…) é um grande alerta. Exige que reavaliemos a qualidade e o âmbito dos nossos serviços de proteção infantil”, afirmou um grupo de 38 ativistas infantis, grupos de direitos humanos e assistentes sociais numa declaração conjunta.

O chefe da polícia nacional, Razarudin Ismail, disse que algumas das crianças, com idades entre 1 e 17 anos, foram sodomizadas pelos seus tutores e também ensinadas a abusar sexualmente umas das outras. Ismail afirmou que lhes foi negado tratamento médico e queimados com colheres de metal quente como castigo por terem sido desobedientes.

As crianças, que eram filhos de funcionários da Global Ikhwan, foram colocadas em lares desde crianças e acredita-se que tenham sido doutrinadas desde pequenas para serem leais ao grupo, disse a polícia.

Segundo a polícia, as crianças foram exploradas para recolher donativos públicos. O caso está a ser investigado pelos crimes de abuso sexual, negligência infantil e tráfico humano.

Razarudin, citado esta sexta-feira pela agência de notícias nacional Bernama, declarou que 49 crianças com menos de 5 anos e outras 10 que eram autistas ou têm deficiências foram entregues ao Departamento de Bem-Estar malaio.

Os restantes ainda estão a passar por exames médicos. Disse que até agora pelo menos 13 adolescentes foram sodomizados, enquanto 172 apresentam lesões físicas e emocionais de longa duração.

Razarudin disse que as crianças não têm educação formal, alguns deles não veem os pais há anos, pois a entidade enviou-os para trabalhar no estrangeiro. A polícia investiga se as crianças foram separadas dos pais voluntariamente ou forçadas pela Global Ikhwan.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) na Malásia disse que as crianças vão necessitar de apoio médico e psicológico a longo prazo para o trauma que sofreram.

“Enquanto as crianças na Malásia residirem em ambientes de acolhimento institucional não regulamentados, continuarão em risco acrescido de sofrer violência e abuso”, afirmou o seu representante do UNICEF para a Malásia, Robert Gash.

Mokhtar Tajudin, porta-voz da Global Ikhwan, disse hoje à Associated Press que as casas não eram geridas diretamente pelo grupo e não forneceu mais detalhes sobre o caso.

A Global Ikhwan, num comunicado, negou as acusações de abuso sexual, considerando-as uma tentativa de certas partes de manchar a reputação comercial do grupo.

A Global Ikhwan possui minimercados, padarias, restaurantes, farmácias, propriedades e outros negócios em cerca de 20 países. A empresa emprega cerca de 5.000 pessoas.

A Global Ikhwan ganhou destaque em 2011, quando formou um “Clube de Esposas Obedientes” que gerou controvérsia ao ensinar as mulheres a serem “boas no sexo” para evitar que os seus maridos se desviassem.

Ahmad Fauzi Abdul Hamid, professor de Ciência Política na Universiti Sains Malaysia, que realizou uma investigação sobre o Global Ikhwan, disse que o grupo era uma “história de sucesso económico” e há uma década concordou em reformar e romper laços com a Al-Arqam.

O professor declarou que, embora as aldeias comunais de Al-Arqam tenham sido abolidas pelo Governo malaio há décadas, muitos seguidores mudaram-se para casas urbanas, mas acredita-se que praticavam a mesma forma de vida comunitária.

As crianças foram enviadas para estas casas para obter ensinamentos islâmicos, uma vez que os pais trabalham para a empresa, disse Hamid.

Poucos detalhes são conhecidos sobre os seus ensinamentos religiosos ou sobre como a empresa funciona à porta fechada. O seu vídeo corporativo mostrava fotografias de altos funcionários da Global Ikhwan com o primeiro-ministro malaio, Anwar Ibrahim, e outros líderes governamentais, um indício da sua influência.

A comissária para as Crianças da Comissão de Direitos Humanos da Malásia, Farah Nini Dusuki, questionou como é que as casas poderiam ter funcionado sem serem detetadas durante anos.

As autoridades islâmicas do estado central de Selangor, onde se situa a maioria das casas alvo da operação da polícia, disseram que apenas duas das casas estavam registadas como escolas islâmicas.

A comissária também expressou a sua preocupação com possíveis casos de abuso não denunciados devido à rede nacional da Global Ikhwan. As autoridades islâmicas disseram que estão a vigiar o Global Ikhwan, quando há preocupações com as tentativas de reavivar o movimento Arqam.

Muitas vezes indicada como uma nação muçulmana moderada, a Malásia desconfia dos grupos que pregam o Islão sem serem sancionados pelo Governo, por receio que possam causar agitação. Os muçulmanos representam dois terços dos seus 34 milhões de habitantes.

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