Instituições culturais de 39 países instam Parlamento Europeu a defender liberdade artística
As instituições afirmam estar “alarmadas com os atuais desenvolvimentos na política cultural em vários Estados-membros da União Europeia”
Mais de 200 representantes de quase 190 instituições culturais de 39 países europeus instaram este sábado os deputados do Parlamento Europeu a tomarem medidas concretas pela defesa da liberdade artística, que consideram ameaçada por movimentos nacionalistas, defensores de iniciativas de ultradireita.
Na carta aberta “Resistência Agora: Cultura Livre”, enviada à agência Lusa e publicada hoje em vários meios europeus de comunicação social, as instituições afirmam estar “alarmadas com os atuais desenvolvimentos na política cultural em vários Estados-membros da União Europeia”.
Como exemplo, apontam a Hungria, onde o Governo liderado por Viktor Orban já aplicou cortes orçamentais ao setor cultural, e a Eslováquia, onde “estão a acontecer despedimentos por motivos políticos”, como no caso “dos diretores do Teatro Nacional e da National Gallery”.
A Convenção Europeia de Teatro, a plataforma Prospero, a rede Opera Europa, o Festival de Viena e a Associação Europeia de Festivais estão entre os signatários. Em Portugal, são seis as instituições culturais que se juntaram ao apelo internacional: o Teatro Nacional D. Maria II, o Centro Cultural de Belém, o São Luiz Teatro Municipal, o Teatro do Bairro Alto, a BoCA – Biennial of Contemporary Arts e o Teatro do Noroeste.
Os signatários da carta alertam para o “nível quase absurdo em muitos Estados-membros” que “os ataques à liberdade artística atingiram”. Esta preocupação intensificou-se depois de, no início de novembro, grupos ultranacionalistas terem invadido violentamente a estreia de um espetáculo do ator e realizador norte-americano John Malkovich, no Teatro Nacional Ivan Vazov, na Bulgária.
“No Teatro Nacional de Sófia, uma peça com mais de cem anos, passada numa Bulgária ficcional, foi apresentada na noite de estreia sem a presença de público, devido a ataques de grupos ultranacionalistas, que impediram os espectadores de entrarem no edifício”, relatam.
Na Áustria, o Partido Liberdade, de extrema-direita nacionalista, atualmente no poder, “ameaça cortar o financiamento para a cultura ‘woke’- o que significa para toda a Cultura, que não as organizações musicais locais”, enquanto o Partido pela Liberdade dos Países Baixos, o Rassemblemnt National de França e o Afd na Alemanha “estão a pressionar para que sejam feitos cortes radicais no financiamento de todas as instituições culturais que não sejam ‘tradicionais’ e ‘nacionais’”.
As instituições signatárias salientam que estes cortes “não são aleatórios”, antes “revelam uma estratégia político-cultural orquestrada, que visa o desaparecimento de uma cultura europeia diversificada, e que tem vindo a crescer desde 1989”.
“Durante muitos meses, ou anos, e em alguns Estados-membros mesmo durante uma década inteira, as instituições culturais têm sido sujeitas a uma campanha política que restringe as liberdades de expressão e artística e elimina tudo o que não está em conformidade com a linha política da direita”, alertam.
As instituições consideram que “onde deixa de haver uma cultura aberta, apartidária e transfronteiriça, acabará também por desaparecer o próprio projeto europeu de unificação e de paz”.
Manifestando-se solidários com os artistas “que foram despedidos ou impedidos de realizarem o seu trabalho”, e com as instituições culturais “encerradas ou ameaçadas de encerramento”, os signatários da carta pedem aos deputados do Parlamento Europeu que falem “sobre a grave ameaça a uma política cultural europeia consistente” e “sobre os ataques, proibições, despedimentos e cortes em cada Estado-membro”.
Lembrando que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o Plano de Trabalho da União Europeia para a Cultura 2023-2026 “exigem a proteção da liberdade artística”, os signatários instam os Estados-membros e as instituições europeias “a cumprirem as suas responsabilidades para com aqueles documentos”, e também a “criar ainda mais salvaguardas através da implementação de uma ‘Lei Europeia da Liberdade Cultural’ como parte do Estado de Direito”.
Na apresentação da carta aberta, em Estrasburgo, estiveram o diretor do Festival de Viena, o encenador Milo Rau, o diretor exonerado do Teatro Nacional da Eslováquia, Matej Drlicka, as representantes da Convenção Europeia de Teatro Barbara Engelhardt e Heidi Wiley, e a ex-ministra francesa da Cultura Catherine Trautmann.
A lista de signatários iniciais inclui mais de 200 representantes de instituições como o Teatro Nacional de Praga, na Chéquia, o polaco Nowy Teatr, o Berliner Ensemble, a Capela Estatal de Dresden e diferentes óperas estatais, na Alemanha, o Teatro e a Ópera reais da Suécia, o Ballet e a Ópera Nacional da Finlândia, o Teatro de La Monnaie, na Bélgica, a Opera de Lyon, a Ópera de Lille e os festivais de Marselha e de Montpellier, em França, o Teatro Nacional Emilia Romagna e o Teatro de Ravenna, em Itália, a Tanzhaus de Zurique, na Suíça, o Battersea Arts Centre, no Reino Unido, e o National Academic Drama Theater, da Ucrânia, somando 187 instituições de 39 países, incluindo todos os Estados-membros da União Europeia.
Instituições culturais de Argentina, Austrália, Canadá e Estados Unidos também subscreveram o apelo.
Em Portugal, são signatários desta carta o diretor artístico e o presidente do Teatro Nacional D. Maria II, Pedro Penim e Rui Catarino, respetivamente, a diretora artística do CCB, Aida Tavares, e o administrador da Fundação CCB Delfim Sardo, a diretora executiva e o diretor artístico do Teatro S. Luiz, Ana Rita Osório e Miguel Loureiro, o diretor artístico do Teatro do Bairro Alto, Francisco Frazão, o diretor da BoCA – Biennial of Contemporary Arts, John Romão, e Nuno J. Loureiro, Ricardo Simões e Tiago Fernandes, do Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana.
O encenador Tiago Rodrigues, como diretor do Festival d’Avignon, e Cláudia Belchior, como presidente da Convenção Europeia de Teatro, são outros portugueses entre os signatários.