Monoculturas tomam lugar do Cerrado e ameaçam comunidades no Brasil

Monoculturas tomam lugar do Cerrado e ameaçam comunidades no Brasil

“Aqui era um lugar sossegado, mas, desde que os seguranças da fazenda começaram a entrar em nossas comunidades e controlar os nossos movimentos, não conseguimos mais dormir. Aqui eles não respeitam ninguém”, diz Sabino Batista Gomes, olhando com preocupação para a entrada da comunidade de Cacimbinha a cada passagem de veículo.

Instaladas no Nordeste do Brasil, a duas horas de uma estrada de terra arenosa de Formosa do Rio Preto, no extremo oeste do estado da Bahia, as 121 famílias de descendentes de indígenas, de ex-escravos e pequenos agricultores que chegaram ao Cerrado no final do século XIX denunciam a apropriação de seu território por uma grande fazenda para exploração agrícola.

O município de Formosa está localizado na chamada região do Matopiba, duas vezes maior que a Alemanha, abrangendo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

O Matopiba é quase totalmente parte do Cerrado e é a zona do país onde a expansão das atividades agrícolas, em particular as monoculturas de soja, algodão e milho, principalmente transgênicas, bem como a pecuária, recebe mais apoio.

Tradicionalmente encorajada pelas autoridades, pode se intensificar ainda mais sob o ímpeto do governo de Jair Bolsonaro, que apoia o lobby agrícola.

Em cinco anos, a produção de cereais e oleaginosas nos quatro estados aumentou 79,7% e hoje representa 10,6% da safra nacional.

– Plantações a perder de vista –

Mas este avanço acontece ao custo do desmatamento maciço e provoca cada vez mais conflitos com comunidades tradicionais que vivem do artesanato, da colheita de frutas, da plantação da mandioca e de feijão e criação de bois, que pastam livremente.

Em Formosa, a fazenda do Estrondo, inaugurada em 1978, inicialmente queria comprar as terras dessas famílias. Diante da recusa, trabalhadores rurais passaram a fazer medições usando GPS e começaram a instalar cercas.

“Alguns dos nossos animais desapareceram, outros foram feridos. Temos que recuar cada vez mais para dentro do vale”, explica Batista Gomes, mostrando as falésias que se elevam à distância.

No topo, não resta mais nada de vegetação nativa. As palmeiras, árvores frutíferas e vegetação rasa deram lugar a plantações que se estendem até onde os olhos podem ver.

A fazenda se estende a opera oficialmente em 305.000 ha, uma superfície maior que Luxemburgo, mas de acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Estrondo é o resultado “da apropriação ilegal de 444.000 hectares” de terras.

– Tentativas de intimidação –

Uma liminar de manutenção de posse de 2017 garante a posse de 43.000 hectares às comunidades tradicionais do vale. De acordo com essa decisão, nenhuma intervenção pode ser feita em suas terras, sob pena de multa.

“Para a gente, era uma vitória, mas a fazenda não respeita a justiça”, lamenta Batista Gomes.

Estrondo considera essa área como sua “reserva legal”, definida pelo Código Florestal Brasileiro como um lote de 20% da propriedade onde a vegetação nativa deve ser preservada, o que implica a saída dos habitantes rurais.

As comunidades denunciam a construção de guaritas cercadas de valas, onde os guardas controlam as identidades dos habitantes e impedem sua passagem à noite, bem como intimidações, às vezes violentas.

Em janeiro, um dos moradores, que queria recuperar seus bois, foi baleado no pé.

“Um juiz sério faria o controle da liminar, mas o juiz de Formosa ignorou e tentou reduzir a abrangência da liminar para 9.000 ha, o que foi rejeitado pelo tribunal de justiça da Bahia. Pode durar anos até a sentença final e por enquanto, a situação está piorando”, preocupa-se Mauricio Correia, da Associação dos Defensores dos Trabalhadores Rurais do Estado da Bahia, que acompanha as comunidades.


Morador da comunidade de Cacimbinha, em Formosa do Rio Preto, alimenta seu gado.

Procurados pela AFP, os advogados das empresas proprietárias da fazenda Estrondo dizem que o Judiciário não determinou a retirada das guaritas e que apesar da redução, segundo eles em vigor, do território pertencente às comunidades, a exploração não invade os 43.000 hectares solicitados pelas famílias, “para evitar, como prova de boa vontade, […] tensões inúteis até a decisão judicial final”.

A outra preocupação dos habitantes diz respeito à diminuição dos recursos hídricos, o que seria, segundo um estudo do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Inema), o resultado da derrubada das árvores do Cerrado nos planaltos e a abertura de poços para irrigação das plantações de Estrondo.

Entre 2007 e 2014, de acordo com um relatório do Greenpeace divulgado na terça-feira, quase dois terços da expansão agrícola no Matopiba foram às custas da vegetação nativa. A área dedicada à soja triplicou entre 2000 e 2014, de 1 milhão para 3,4 milhões de hectares.

Para Martin Mayr, coordenador da agência 10envolvimento, uma associação que apoia essas famílias rurais, o tempo está se esgotando: “Desde a sua chegada, as comunidades preservaram o Cerrado, do qual dependem para viver. Se forem expulsas daqui, a vegetação pode muito bem desaparecer”.


Foto: Paisagem do Cerrado rodeia campo agrícola em Formosa do Rio Preto,(Bahia).


AFP / NELSON ALMEIDA

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