“Novas Variantes”: pesquisadora do Hospital Moinhos de Vento explica como ocorrem as mutações do coronavírus
Com o novo aumento dos casos de COVID-19, o mundo agora volta suas atenções para a Ômicron. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a nova cepa foi detectada pela primeira vez no sul da África em 24 de novembro em um alerta mundial para a possibilidade de nova onda de infecções, com casos confirmados em dezenas de países.
Com poucas mortes ou sintomas graves até o momento, a Ômicron, ainda segundo a OMS, tem se mostrado mais transmissível e com maior possibilidade de reinfecção (pode afetar pessoas que já foram diagnosticadas com Covid-19 anteriormente). Dados iniciais mostram que a nova cepa apresenta grande número de mutações, sugerindo sintomas mais leves, marcados principalmente por cansaço, dores no corpo e garganta arranhando. Além desta, outras cepas preocupantes se mantêm em circulação, sendo elas a Alfa, Beta, Gama e Delta.
A pesquisadora e doutora em Biologia do Hospital Moinhos de Vento, Márcia Polese Bonatto, explica que as mutações entre os vírus são um processo natural e ocorrem como um mecanismo de sobrevivência.
“Os vírus precisam de uma célula para continuar se reproduzindo. No caso do SARS-CoV-2, o vírus apresenta a proteína Spike (S) que está associada à capacidade de entrada do patógeno nas células humanas e é um dos alvos dos anticorpos neutralizantes produzidos pelo organismo. O material genético do vírus, responsável pela produção da proteína S, tem sido alvo de mutações que podem levar ao aumento de transmissibilidade e à incapacidade dos anticorpos produzidos pós-vacina de identificar o vírus”, pontua.
Mutações de risco e importância da vacinação
No entanto, as constantes modificações não necessariamente deixam o vírus mais adaptado ou mais transmissível, caracterizando uma nova variante apenas quando ocorre distribuição de um mesmo conjunto de mutações em vários pacientes, em diferentes localidades e altera características do vírus. Será considerado um risco se conseguir atingir um escape vacinal, maior transmissibilidade, aumento de gravidade da doença, escape de diagnóstico ou terapêutico.
“É importante ressaltar que, no caso da Covid-19 atualmente, os óbitos estão associados àqueles que não foram imunizados. Ainda considerando mutações mais transmissíveis, a população fica mais suscetível ao não se imunizar, provocando, consequentemente, maior transmissão”, alerta.
Márcia ressalta que é por este motivo que, no caso da Covid-19, pesquisadores em todo o mundo acompanham o caminho das transmissões e fazem um mapeamento do material genético no decorrer da pandemia, uma forma de monitorar as variantes que realmente merecem atenção. “Isto já ocorre com o H1N1, subtipo do vírus da gripe e que exige vacinação todos os anos, pois novas mutações são identificadas através da vigilância epidemiológica, isso garante uma imunização eficiente. A vacinação para a COVID19 poderá seguir um caminho semelhante”.
Pesquisa identificou variantes do SARS-CoV-2 no Sul do Brasil
Uma pesquisa do PROADI-SUS¹ conduzida pelo Hospital Moinhos de Vento identificou que novas mutações do novo coronavírus foram detectadas no início da pandemia circulando em Porto Alegre (RS). Foram avaliados 1.557 adultos e crianças com mais de dois meses com sinais e sintomas da doença, passando por ensaio de RT-PCR para diagnóstico de COVID19, que avaliou 3 alvos (genes N, ORF1ab e S). Em algumas amostras foram detectados os genes N e ORF1ab, porém não o gene S (chamado de dropout do gene S). Entre estas amostras que se mostraram ausente a detecção do gene S, algumas foram submetidas ao sequenciamento do genoma completo (WGS), modelagem de homologia e análise das propriedades físico-químicas.
“O nosso estudo observou que a ausência de detecção do gene S foi de 7,4% (36/484) entre os participantes da pesquisa que tiveram resultado positivo para COVID19. O pico de ausência ocorreu no início de agosto. A técnica de sequenciamento do genoma completo foi realizada em 8 amostras e observou-se que as linhagens circulantes eram B.1.1.28, B.1.91 e B.1.1.33, as mesmas que estavam circulando no início da pandemia. No entanto, em um participante identificou-se uma nova mutação na região RBD (Y380Q) simultaneamente com outras duas mutações já descritas: C379W e V395A. A região RBD faz parte da proteína S e está associada a ligação anticorpos neutralizantes bem como transmissibilidade.”, explica Márcia, que fez parte do projeto.
“Os achados demonstram como as mutações associadas ao surgimento de variantes do SARS-CoV-2 ocorrem, mesmo em um período ainda inicial de pandemia”, conclui o consultor médico de projetos, Dr. Marcelo Scotta.