O colapso em Porto Alegre
‘Pacientes são intubados na emergência e morrem lá mesmo’: o colapso da saúde em Porto Alegre, onde hospital aluga contêiner para acomodar mortos.
A escalada no número de internações, e sobretudo de mortes em decorrência da covid-19, sobrecarrega a capital gaúcha.
Enquanto o governo do Rio Grande do Sul avalia o aluguel de contêineres refrigerados para acomodar um eventual excesso de corpos, o Hospital Moinhos de Vento já decidiu: superlotado, confirmou para esta quarta-feira (3/3) a instalação de uma estrutura semelhante como medida preventiva.
Maior rede hospitalar privada de Porto Alegre e sexta melhor da América Latina, segundo ranking da consultoria América Economía Intelligence, o Hospital Moinhos de Vento registra os maiores índices de internações e agravamento dos quadros desde o início da pandemia.
Para tentar suprir a demanda, ampliou em 30% sua capacidade de atendimento. Transformou salas de emergência, de recuperação e parte do bloco cirúrgico em unidades exclusivas para pacientes com covid-19. O que não é o bastante, pois a oferta permanece insuficiente para o número de pacientes em estado grave.
Em entrevista a uma emissora de televisão, o superintendente médico do Moinhos de Vento, Luiz Antônio Nasi, classificou o cenário como “um campo de guerra”. Como resultado, cansaço, falta de perspectivas positivas e sofrimento emocional são sentimentos comuns entre médicos, anestesistas e enfermeiros da instituição.
“Tem hora que a gente desmorona. Se antes, mesmo com o hospital lotado, a gente conseguia dar um atendimento padrão, agora não conseguimos mais. Nunca imaginei chegarmos nessa situação”, diz uma enfermeira do Moinhos de Vento que atua na linha de frente do combate à covid-19.
A profissional falou à BBC sob anonimato, pois não tinha autorização do hospital para dar entrevista.
De fato, os dados da instituição são alarmantes. Na terça-feira (2/3), quando o Brasil registrou o número recorde de 1.726 óbitos por covid-19, o Moinhos de Vento atingiu 119,7% de ocupação dos leitos de terapia intensiva — sendo que 35% dos internados tinham menos de 60 anos. Isso denota uma possível mudança no perfil dos pacientes, que agora são mais jovens, muitos sem comorbidades.
Na tarde desta quarta, o percentual chegou a 130%.
No dia anterior, o Moinhos de Vento havia ultrapassado a capacidade máxima do morgue, como é chamado o necrotério hospitalar. A capacidade do morgue é de três corpos. Mas não se engane quem acha o necrotério pequeno. Afinal, ninguém vai ao hospital para morrer. O espaço é projetado de acordo com “normas, condições de normalidade e porte” da instituição, de acordo com um comunicado do Moinhos de Vento.
O problema é que, com o necrotério do hospital cheio (não só de pacientes com covid), os profissionais de saúde precisam manter as vítimas no leito até que consigam liberá-lo higienizado para quem está esperando, em estado grave, por uma vaga na UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
Para evitar situações como essa, o hospital preferiu alugar uma câmara frigorífica. “O Moinhos de Vento é muito preparado. Se a administração contratou esse serviço, é porque prevê uma demanda maior de óbitos”, diz a enfermeira ouvida pela BBC.
Em nota, o hospital afirmou que o contêiner refrigerado será utilizado “somente em caso de real necessidade, considerando a possibilidade de atrasos na retirada dos óbitos por parte das funerárias, realidade essa percebida em outras cidades do Brasil e do mundo”.
O governo gaúcho estuda fazer o mesmo. Por meio do Instituto-Geral de Perícias (IGP), fez orçamentos com empresas que oferecem os refrigeradores. A medida será adotada preventivamente para atender um eventual colapso do sistema funerário, o que é descartado pelas entidades do setor.
BBC