O presidencialismo de polarização

O presidencialismo de polarização

Está cada vez mais evidente que a mistura entre conservadorismo cultural com liberalismo econômico promovida pelo Bolsonarismo depende da capacidade de radicalização política. Afinal, parece que na Nova  Política  a governabilidade  não se  baseia na ocupação do centro segundo o Modelo Hoteling- Downs, mas do processo de polarização. Neste sentido, a divisão entre bandidos e mocinhos políticos marca uma nova etapa político-institucional caracterizada como Presidencialismo de Polarização. Para entender  a  atuação  governamental  é  preciso  considerar  as  etapas  anteriores  conhecidas  como Presidencialismo de Coalizão e Presidencialismo de Cooptação.

O  Presidencialismo  de  Coalizão  constitui  uma  denominação  criada  por  Sérgio  Abranches  em  1986 descrever uma forma de  governo. Segundo o autor o  Presidencialismo de  Coalizão surge  em  1946 quando o Brasil optou pelo presidencialismo. Devido as características de nosso sistema eleitoral seria impossível  aos  presidentes  fazerem  a  maioria  no  Congresso  com  seus  partidos.  Como  as  políticas públicas precisam de leis para serem implementadas os presidentes são obrigados a formarem uma coalização multipartidária para governar. Por isto, o presidente utilizaria o projeto de campanha para formar alianças com base em programas, princípios e valores.

Em 1997, no contexto da aprovação da Emenda da Reeleição, efetua-se uma mudança no padrão de negociação com o Congresso dando origem o que alguns tratam como Presidencialismo de Cooptação. A Emenda da Reeleição permitiu que prefeitos, governadores e presidentes disputassem um segundo mandato consecutivo. Porém, para aprovação da emenda estabelece-se uma ampla distribuição de favores como liberação de verbas, nomeações, e concessões de canais de rádio e televisão. Com os escândalos do Mensalão e Petrolão verifica-se que os custos da negociação política com o congresso basearam-se na participação em esquemas de corrupção.

A  eleição  de  Jair  Bolsonaro  estabelece  um  novo  padrão  conhecido  como  Presidencialismo  de Polarização.  O  Presidencialismo  de  Polarização  baseia-se  no  processo  de  divisão.  A  ideia  básica  é pressionar o congresso por meio da comunicação direta com o eleitor. Enquanto na fase de coalizão e cooptação o presidente tinha o papel de moderar político, no processo de polarização o presidente tem   a  função  de   radicalizador.   Neste   sentido,   enquanto  o  Presidencialismo  de   Coalizão  e   o Presidencialismo   de   Cooptação   baseavam-se   na   criação   de   consenso,   o   Presidencialismo   de Polarização fundamenta-se na radicalização das relações com o Congresso.

Por um lado, o Presidencialismo de Polarização foi possível devido a diminuição do custo de produção da informação provocado  pela  disseminação das  mídias sociais.  Mais precisamente,  o processo  de liberalização do mercado de  informação. Por muito tempo os meios de  comunicação exerciam um controle a priori da informação. Porém, o surgimento do Youtube, Facebook, Instagram, Twitter entre outros teve dois efeitos principais. Por um lado, a diminuição do custo de produção da informação; por  outro,  o  contato  direito  entre  indivíduos.  Portanto,  a  mudança  de  suporte  permite  que  o Bolsonarismo mantenha os apoiadores sempre radicalizados.

Por  outro  lado,  o  processo  de  polarização  está  relacionado  ao  enfraquecimento  das  instituições formadoras  de  consenso.  A ideia básica é  substituir  a intermediação das instituições que  filtram a informação para opinião pública.   Partidos, sindicatos, imprensa, ciência se tornam cada vez menos efetivos no processo de formação da opinião pública. É por isto que temos uma política sem partidos, uma  educação  sem  escola,  notícias  sem  imprensa,  conhecimento  sem  certificação…  A  progressiva diminuição  da  intermediação  política  entre  o  estado  e  a  sociedade  acabou  redefinindo  o  próprio funcionamento do sistema representativo.

Além disso, cabe destacar também a atuação da Lava Jato. As descobertas da Lava Jato e os escândalos relacionados a utilização dos recursos públicos diminuíram a credibilidade das negociações políticas. Visando quebrar o sistema de corrupção a Lava Jato acabou criminalizando a atividade política. Este processo  acabou  colocando  os  políticos  na  defensiva.  Afinal,  a  Lava  jato  aumentou  os  riscos  da barganha política e obrigou a diminuição dos ganhos. Ou seja, a Lava jato modificou a forma como o poder governamental é compartilhado politicamente. E é por isto que o Bolsonarismo acredita que pode pressionar o Congresso numa luta entre bandidos e mocinhos.

O padrão predominante de oposição também desempenha um papel importante no estabelecimento Presidencialismo  de  Polarização.  Como  o  PT  é  muito  grande  para  ser  controlado  ou  até  mesmo contornado politicamente, a oposição ao Bolsonarismo com base no Discurso do Lula Livre reforça o processo de polarização. Afinal ao vestir esta fantasia a oposição transforma o PT em mocinho e afasta parte  do  eleitorado  moderado.  Neste  sentido,  impede  a  formação  de  uma  frente  ampla  para neutralizar os efeitos perversos da agenda cultural e econômica Bolsonarista. Portanto, o padrão de oposição acaba reforçando funcionalmente o Presidencialismo de Polarização.

O extremismo político irreconciliável promovido pelo Bolsonarismo entre mocinhos e bandidos acabou estabelecendo o Presidencialismo de Polarização. O Presidencialismo de Polarização não elimina os vícios do Presidencialismo de Coalizão e do Presidencialismo de Cooptação. Ao contrário, aumenta os custos da negociação política porque a Nova Política torna os acordos políticos ainda mais instáveis. Neste  sentido,  o  aumento  da  clivagem  ideológica  entre  conservadorismo  e  progressismo  indica  a necessidade manter a divisão política permanentemente ativa. E é por isto que o Bolsonarismo se fixa sempre em questões que dividem muito politicamente.

Dr. M. Mattedi

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