“Pesca Artesanal”: Vida de Pescador na Safra

O cotidiano de pescadores do “Rancho de Pescadores 307”, em Itapema em Santa Catarina.

Na tarde do dia sete de junho deste ano (07/06/2021), eu tive o prazer de conversar com pescadores do “Rancho de Pescadores 307”. Esse rancho tradicional de pesca marítima fica localizado no município de Itapema no Estado de Santa Catarina, distante pouco mais de 70Km da capital Florianópolis.

No bairro de Meia Praia a equipe de pesca é bastante conhecida. Sendo formada por 14 (quatorze), pescadores fixos e alguns “camaradas”, que se tratam de pescadores que ajudam na pesca quando podem ou são solicitados, desta forma não ficam o tempo todo lá, mas sempre estão à disposição. E, haja disposição! O grupo é alegre e cooperativo. Entre eles às idades variam de 23 (vinte e três) à 72 (setenta e dois) anos. Com o cotidiano extremamente corrido, o serviço tem início às 06:00 horas da manhã independente do clima/tempo ou de outros imprevistos. Já o horário de término pode variar conforme o estado da pesca.

Por exemplo, se estão fisgando muitos peixes não há hora de ir embora. Contudo, se o dia for tranquilo e a pesca estiver baixa tudo acaba por se encerrar entre às 17:00 e 18:00 horas. O tipo de pesca aplicada ao rancho é a de pesca artesanal. Ou seja, aquela onde se caracteriza principalmente pela mão-de-obra familiar, com embarcações pequenas, como canoas ou jangadas, atuando assim nas proximidades da costa. Cada pescador fixo ou camarada possui sua função definida, mas quando chega a hora de puxar a rede todos devem ajudar. Assim esse momento é de uma correria imensa e de muita força e jeito de pescador forte, afinal um pequeno descuido poderá custar a perda de vários peixes e como a pesca artesanal caracteriza-se também pelo baixo rendimento, sendo os pescados para fins de subsistência e pequenas vendas, qualquer situação contrária pode causar prejuízos.

Entre os diversos apetrechos de pesca o rancho dispõe de 04 (quatro) redes, mas os próprios pescadores já estão trabalhando na confecção de mais uma para ter como reserva, logo as redes também são um trabalho artesanal destes homens. Estas redes são feitas pelo líder dos pescadores e dono do rancho, o Sr. Claudio de Jesus que explicou como funciona a confecção da rede: “Nós fazemos as redes com malha 7, pois assim não pegamos os filhotes, mas somente os peixes maiores. Ás vezes aparecem algumas arraias presas na rede por conta do seu tamanho, mas tão logo já devolvemos elas com vida para o mar”.

Além das redes artesanais, há uma relíquia exuberante o “Barco Guara” que foi fabricado ainda no ano de 1943 com apenas uma tora de madeira. Esta embarcação suporta as safras de Tainha, Anchova e Corvina por três meses. Além das safras programadas, o rancho possui as devidas licenças para pesca durante o ano todo. A pesca de arrasto como é chamada, consiste na arte de pesca com redes em velocidade, contudo, nos meses de janeiro e fevereiro os pescadores do rancho abrem mão da pesca por conta da chegada de turistas na praia que é considerada um dos pontos mais desejados no litoral sul para férias.

Sobre as safras uma que tem destaque é a safra da Tainha. No ano de 2021 está sendo do dia 1º de maio até 15 de julho. A Tainha é um peixe originado na Lagoa dos Patos no Estado do Rio Grande do Sul e que vem se “limpar” nas águas do mar.

Ou seja, elas deixam de comer barro do fundo da lagoa e passam a comer corais e peixes menores no mar durante esse período. Cada Tainha pode desovar até 5 milhões de ovos. Caso ela não viesse para o mar poderia se transformar numa verdadeira praga no Estado vizinho, pois encheria facilmente todo o lago pelo imenso número de ovos que cada fêmea produz.

Mas, porque esses peixes vêm para essa região?

Basicamente porque os municípios de Itapema e também de Porto Belo serem tidos como Baías que são reentrâncias da costa por onde o mar avança para o interior do continente. Desta forma os peixes vêm para cá procurando refúgio, semelhante a outros animais marinhos que aparecem, como as baleias, por exemplo.

Lembrando que existem outros cinco ranchos de pesca no município de Itapema – SC. Ao todo são três deles, na Meia Praia e três na praia Central. Uma curiosidade interessante é sobre a condição de posse e propriedade desses ranchos que se tratam de pontos de pesca que só podem ser doados sem custos ou mesmo repassados de pai para filho, jamais podendo ser comercializados, vendidos à terceiros.

Infelizmente os pescadores não vivem em um “mar de rosas”. Eles enfrentam inúmeras situações contrárias em seu cotidiano para adquirir o sustento. Entre estas adversidades estão, a rede “Feiticeira”, os Jet Ski e a maior de todas as vilãs que é a pesca industrial.

Sobre os problemas enfrentados pelos pescadores a rede de pesca chamada de “Feiticeira”, merece uma atenção especial. A mesma se trata de uma rede trazida por turistas nos finais de semana com intuito da pesca esportiva que por sua vez é lançada ao mar no início da noite e retirada só na manhã seguinte. Este tipo de pesca é proibido, pois, acarreta desmatamento.

Os peixes passam toda a noite presos por ela e muitos acabam morrendo. Essa rede não captura apenas os peixes, mas também tartarugas, arraias, tubarões, entre outros animais marinhos sejam filhotes como adultos. Muitas Tainhas acabam sendo pegas e morrem causando ainda atrapalho para a pesca dos pescadores profissionais, pois quando este tipo de peixe sente o cheiro do sangue do outro animal morto elas fogem. Os pescadores ainda contam que diversas vezes já presenciaram tartarugas mortas na praia por asfixia dessas redes proibidas.

O pescador, Thales, ainda se recorda com tristeza da cena que não esquece: “Foi horrível! Fui até o animal e estava morto com a rede presa no seu pescoço”, lamenta.

Já sobre os Jet-ski, estes são legalmente proibidos de circular durante as safras, mas muitos turistas fora de temporadas e até mesmo moradores da região não respeitam as leis e acabam andando com a motonáutica sem se importar com as consequências. Essa prática acaba atrapalhando e muito a pesca desses profissionais, pois após a passagem, uma única vez deste transporte, as Tainhas vão para locais mais fundos do mar e demoram uma média de mais de duas horas para subirem e apareçam novamente.

Já sobre a pesca industrial vale deixar aqui em aberto para uma próxima conversa, afinal, essa prática acaba retirando toneladas de peixes do mar, o que diminuí drasticamente a quantidade para a pesca dos que vivem à “margem” do mar. Após uma longa e sensata conversa com os pescadores deste rancho tradicional acredito que temos muito ainda que aprender sobre meio ambiente marinho e comunidades pesqueiras artesanais que são ricas em experiência e tradição. Toda nossa comunidade litorânea deve se comprometer com o oceano e que devemos usufruir com respeito de tudo o que ele possa nos oferecer.

Por fim, cabe aqui destacar que quanto à pandemia da Covid-19, não houve diminuição na pesca e também não teve baixa na venda de peixe para o rancho. Lembrando que quanto às normas de segurança e prevenção à pandemia os pescadores têm tido todo o cuidado que o Ministério da Saúde requisita.

Nada do que foi exposto acima é conversa de pescador.

Texto: Maria Luiza Rech Capuci; 21 anos; estudante de Engenharia Civil e apaixonada pelas histórias da Costa Verde e Mar;

Imagens: Roque André Colpani;

Agradecimentos Especiais: Aos membros do Rancho de Pesca 307 em Meia Praia – Itapema/SC Vigias: Ademir Nascimento (Cabelo), Jean, Paulo Sérgio  Edimar Afonso da Silva, Paulo Silva (Paulo do Táxi), Lilo, Antônio Itacir (Toquinho);

Remeiro e vigia: Odaci João Manarick o Darci (62 anos) conta que começou as lidas com a pesca com apenas 13 anos de idade e possui muitas técnicas desenvolvidas desde então, se orgulha em dizer que foi ele quem ensinou o patrão a remar; Thales Guilherme de Jesus, Pascoal Nicocélli (Tito) e Jocélio Nicolau (Célio);

Cozinheiro e vigia: Sidnei Antônio;

Ajudante de cozinha e camarada: Paulo (63 anos);

Patrão: Claudio de Jesus, o Dico (48 anos), é o responsável pelo lanço da rede e começou a trabalhar com a pesca aos 12 anos. O mais velho camarada, Rubens Antônio de tem 70 anos. E, a todos os envolvidos com a pesca artesanal no litoral catarinense.

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