Sobre o presidente da República
Numa conversa imaginária com meu Amigo sociólogo Luciano Muraro, teria dito a Ele, mais ou menos assim: Ô, Luciano, a gente é da turma dos que não desejam mal a quase ninguém. Inobstante, também não são de idolatrar, nem de temer poderosos, os que não temem, nem odeiam outrem. Mas, como precisamos falar mal de alguém, sobrou pro presidente da República, ora, quem mais? Aí, pueril, Eu teria dito ao Luciano: Honestamente, Eu queria que o presidente estivesse certo, mas acho que o cara tá errado e deve sair. Senão, vejamos:
Defendido pelo presidente, o fim do isolamento contra a epidemia é uma sugestão tão simplória quanto sedutora. Simplória porque não somos educados como os suecos – comparar é anedótico. Sedutora, porque a vida voltaria quase ao normal, desejo nostálgico de que tudo voltasse a ser como antes do desencantamento com a realidade. Ainda que revele o cálculo eleitoral de quem se vê arruinado pela sorte depois do triunfo, é uma ilusão romântica compartilhada pela maioria de nós. Quando o vento derruba a casa, a frustração é inevitável.
Muita gente boa e sabida não concorda, mas o governo Bolsonaro gerou uma expectativa promissora, em certos aspectos. Não contra a corrupção, que não passa da ladainha do “me engana que eu gosto”. Fica na conta do autoengano de cada um, porque a esperança é boa e o desejo sincero. De alguns nem tanto, mas é a vontade da maioria que, afinal, se nada ganha com a corrupção, que ninguém ganhe então. Mas esperar honestidade de um arregrado do velho patrimonialismo, cúmplice da vergonhosa “rachadinha” filial, é crer no gênio da lâmpada.
Tirando isso, houve uma onda de esperança na “regra de ouro” da administração pública: impedir que o governo criasse dívida para pagar despesas correntes. No bom português, não gasta o que não tem para não endividar as gerações que vem. Se só esse fosse o êxito de todo o mandato, seria o início de uma revolução silenciosa. Não é exagero. Com o tempo popularizaríamos a regra, seria tema escolar, universitário e até eleitoral. Aprenderíamos matemática e daríamos um salto evolutivo, reconhecendo que não existe almoço grátis.
Aí vem esse inimigo virótico e mortal, a testar a capacidade do governo, chamando o Estado à sua grande responsabilidade: cuidar da vida de seus cidadãos. Nesse momento, suspende-se a regra de ouro e chama-se o velho Keynes. Como não somos escandinavos, nem asiáticos, não fizemos poupança para os momentos difíceis. Paciência: chama o rentista, emite títulos de dívida pública e lá na frente se paga com mais trabalho, impostos, congelamento de salários e outras restrições. A causa urge, mas o presidente não estudou História.
Isso desmoronou o projeto político do governo. Afinal, foi com a promessa de combater a irresponsabilidade fiscal que ganhou os formadores de opinião. Precisávamos crescer, atenuando o peso do governo e aumentando o protagonismo da Sociedade produtiva. O “isolamento” acaba com esse ímpeto e a esperança de milhões, que se identificam na indignação ostentada pelo presidente. Isso é compreensível e lhe rende um apoio que diminui entre os instruídos, mas aumenta entre os pobres, inclusive no Nordeste (CNT/MDA, 07 a10/05/2020).
Além disso, sua inconformidade é relativamente compartilhada por pessoas que inspiram credibilidade. Notadamente, lideranças do meio empresarial, em Blumenau, Joinville, Chapecó ou São Paulo, essas pessoas transparentam franqueza e conhecimento de causa. Reclamam, com muita razoabilidade, do centralismo das decisões governamentais. Questionam soluções horizontais e reivindicam uma descentralização cívica que parece legítima.
Não há solução ótima e ninguém está totalmente certo ou errado numa situação completamente inusitada. Mas, ao esgoelar que 25 governadores estariam errados, o presidente errou no essencial: na arte de governar. Ao invés de agregar, conflita, inventa inimigos, detona aliados respeitáveis e afasta alianças possíveis. Acuado, mente, chuta e calúnia. Fala em caixões sem cadáver, ressuscita o comunismo, defende a cloroquina, como Maduro, e demite mais um ministro competente. Como na fábula, faz lembrar o macaco na loja de louças.
Seus exemplos são ruins, porque lhe faltam a autocrítica e sobram bajuladores, idólatras ou oportunistas, ambos equiparados na cegueira da paixão servil ou da cobiça. O presidente da República não demonstra compaixão pelos mortos. Nem é preciso ser sincero, é só demonstrar respeito. Ao invés do jetski no lago Paranoá, terno preto e lágrimas de crocodilo. A civilização cristã celebra a vida, potenciada pela biopolítica, e respeita os mortos. E, como ícone da política, o Ocidente elegeu Churchill e não Hitler.
Para encobrir a ingovernabilidade, autoriza a produção de mentiras que lhe rendem apoios. Horas após a saída do ex-ministro da Saúde, já se “sabia” o motivo da incompatibilidade com o grande líder: o demissionário é empresário, presta assessoria médica e não lucraria com o uso da cloroquina. Se Cristo, que está entre nós, fosse demitido do governo pelo mesmo juramento dos médicos, horas depois circulariam fotos Dele, conspirando com Lenin, a derrubada do Pai. Por uma alucinação coletiva, milhões se estarreceriam, antes de acordar para a realidade.
Há uma coleção de motivos para o impeachment do presidente e a reunião de 22 de abril é o decreto factual cuja gravação é sua caixa de Pandora. Collor e Dilma caíram por menos e a precipitação de sua saída seria menos trágica do que o estrago mórbido de seu delírio presidencial. Não seria tão fácil quanto tirar a ex-presidente Dilma, porque o apoio que lhe faltou na classe média, o presidente parcialmente a tem. Mas do que seus apoiadores, muitos dos quais defendem a intervenção militar, poderiam reclamar, se o vice a assumir é um general?
Vou ligar para o meu amigo Luciano Muraro e perguntar o que Ele acha disso tudo.
Walter Marcos Knaesel Birkner – Sociólogo