Grupos reflexivos para homens visam prevenir e reduzir a reincidência de agressões

Grupos reflexivos para homens visam prevenir e reduzir a reincidência de agressões

“Me parecia normal. Foi só uma conversa, uma discussão, um bate-papo. Eu não via nada demais”.

Foi com esse pensamento que o gerente comercial Glayson Líbano reagiu quando descobriu que sua ex-companheira havia solicitado uma medida protetiva contra ele em 2022.O conteúdo de mensagens e áudios enviados por Glayson durante uma discussão após o fim do relacionamento, foi considerado violento pela ex-companheira, com quem tem um filho.

“Foi impactante. Daí veio todo aquele sentimento de que estava errado o que ela fez, que era eu o injustiçado. Liguei pra amigos advogados, tentei entender. Mas foi um choque”, lembra. “Foi uma questão de violência doméstica psicológica, porque essa também é uma forma de violência”.Por decisão da Justiça, Líbano teve que participar de um grupo reflexivo em Blumenau — um espaço destinado a homens autores de violência doméstica, onde são conduzidos a refletir sobre seus atos e, principalmente, as consequências deles.

Glayson Líbano participou de grupo reflexivo; experiência possibilitou convivência respeitosa com a ex. FOTO: Bruno Collaço/Agência AL

Glayson Líbano participou de grupo reflexivo; experiência possibilitou convivência respeitosa com a ex. FOTO: Bruno Collaço/Agência AL

“Saía de cada encontro e ia pra casa pensando. Muitas vezes peguei as mensagens e os áudios e escutei tudo de novo. Percebi que feri a minha ex-companheira, a mãe do meu filho. Com o tempo constatei que não era sobre ter razão ou não. Era sobre o impacto: eu não precisava ter dito nada daquilo e ponto”, reconhece.

Foram 12 encontros, mediados por profissionais da psicologia e da psicanálise. Ao longo do processo, Glayson reconstruiu a relação com a ex-companheira, agora centrada no filho que têm juntos. “Hoje nós temos uma relação muito boa, de respeito. O grupo me ajudou a construir isso”, afirma.18 mil pedidos de medida protetiva em 2025A história dele não é exceção e, muitas vezes, não é contada. Mas, infelizmente, faz parte de um problema crescente.

Em Santa Catarina, só no ano de 2024, mais de 30 mil mulheres recorreram à Justiça pedindo medidas protetivas. Até julho de 2025, esse número já ultrapassa os 18 mil. Casos de feminicídio também chamam a atenção: 51 mortes em 2024, e 28 já registradas nos primeiros sete meses de 2025.Por trás de cada estatística, há um ciclo que muitas vezes se repete: relacionamento tóxico, aumento da tensão, violência e reconciliação e a chamada “lua de mel”. E vice-versa. . A secretária da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Cevid/TJSC), Michelle Hugill, destaca que é nesse ciclo que os grupos reflexivos atuam.

A psicóloga Michelle Hugill destaca da importância dos grupos reflexivos. FOTO: Jeferson Baldo/Agência AL

A psicóloga Michelle Hugill destaca da importância dos grupos reflexivos. FOTO: Jeferson Baldo/Agência AL

“Não são espaços para passar a mão na cabeça, muito menos para punir. São espaços de escuta e responsabilização. Talvez seja a única vez que esse homem será ouvido durante o processo judicial, e ele precisa ser ouvido para que a violência não escale”, explica.

Santa Catarina possui atualmente 43 grupos reflexivos ativos, de acordo com levantamento do TJSC. As regiões com mais unidades são o Oeste (14) e o Vale do Itajaí (13). E os resultados mostram a possibilidade de um caminho a ser percorrido: a reincidência entre os participantes, nos últimos dois anos, é de apenas 5%.”A ideia é que o homem entenda que não precisa ser violento para ser homem. Quando ele dissocia essa imagem, muda a forma como se relaciona com as mulheres, com ele mesmo e com a sociedade”, diz Michelle.

O psicanalista Paulo Ferrareze Filho, que conduziu um grupo reflexivo em Camboriú por três anos, confirma o impacto. Segundo ele, dos 55 homens que passaram pelo grupo, apenas um reincidiu. “Se compararmos isso com os índices de reincidência do sistema penal tradicional, que pune sem trabalhar a responsabilização e a ressocialização, os grupos reflexivos mostram resultados muito mais promissores”, avalia.

“Mas não podemos ser ingênuos de achar que só o discurso elimina a agressividade. Mas o processo de escuta é o primeiro passo para a mudança.”Natural de Concórdia e hoje morador da região metropolitana de Florianópolis , o corretor de imóveis Roberto (nome fictício) passou por dois relacionamentos turbulentos em menos de dez anos. No último, a tensão terminou em atos de violência.

“Apertei os braços e quebrei muitos dos pertences da minha ex-companheira”, conta.Roberto passou por um grupo reflexivo e passou a entender a situação. Atualmente, faz terapia e conversa com homens sobre a questão de violência doméstica, mas tenta não se expor. “Eu sabotei vários relacionamentos em minha vida, tinha ciúmes do passado de todas as minhas companheiras. Era paranóico. Nunca foi culpa de nenhuma delas. Era eu”, afirma ele, que ainda busca se “desenvolver e se entender” para ter outro relacionamento.“Pedi desculpas a todas as pessoas que passaram pela minha vida e o estrago que fiz. Algumas aceitaram, outras não. Hoje busco me curar, me relacionar comigo mesmo para que um dia, possa estar pronto para outra pessoa. O problema é que nós homens não conversamos, não pedimos socorro e não falamos sobre nossas inseguranças.

Temos a obrigação de ser bem-sucedidos, não demonstrar emoções, não recuar diante de conflitos e provar que somos machos todos os dias”.O silêncio dos homensO “silêncio que atravessa gerações” e impacta a vida de homens e mulheres em todo o país foi o motor para um documentário que aborda os espaços de reflexão. Produzido pelo coletivo PapodeHomem (PdH), o filme “O Silêncio dos Homens” ganhou apoio da ONU Mulheres e da campanha #ElesPorElas.

A motivação surgiu de uma pesquisa realizada em 2016, na qual mais de 20 mil pessoas foram ouvidas. O levantamento mostrou que sete em cada dez homens não compartilham seus maiores medos e dúvidas nem mesmo com amigos. Para o coletivo, esse dado confirmou algo já percebido em rodas de conversa ao longo de mais de dez anos: a dificuldade masculina de expressar sentimentos e vulnerabilidades.

PLs tramitam na Assembleia na Assembleia Legislativa de Santa Catarina o tema vem ganhando espaço para discussão. Tramita na Casa o PL 14/2022, de autoria da Bancada Feminina, que estabelece princípios e diretrizes para criação de programas reflexivos e de responsabilização para autores de violência doméstica e familiar contra a mulher.

A matéria tramita em conjunto com o PL -52/2023, de autoria do deputado Dr. Vicente Caropreso (PSDB).Glayson Líbano segue com a coragem de mostrar o rosto e falar abertamente sobre o tema e seus erros. Ele segue participando dos grupos reflexivos, agora na condição de voluntário e acredita que compartilhar sua trajetória pode ajudar outros homens a interromper o ciclo da violência.“Uma certeza que tenho é que não vou parar. Até o último dia da minha vida participarei desses grupos”, afirma, passando dicas para homens. “Olhem pra si, cuidem de si e principalmente respeitem quem está ao seu lado. Viva a vida da melhor forma possível”, diz, com convicção.

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