A verdade vos libertará

A verdade vos libertará

Nos primeiros minutos após ouvir as bem articuladas razões pelas quais o ex-ministro Sergio Moro desertava de sua nobre função, invocando o sacrossanto direito de defender sua biografia, pensei comigo mesmo, irritado: nosso presidente não se ajuda.

Então, como que acordando assustado de um transe, me lembrei de uma defesa que fiz perante o Tribunal do Júri.

Durante a fala do promotor, era perceptível que o conselho de sentença já tinha aderido à sua tese. Os jurados estavam nitidamente seduzidos pela eloquência, talento e desempenho do promotor que teria também me capturado psicologicamente não fosse por um detalhe: eu conhecia o processo, tinha analisado a prova, examinado os detalhes, os depoimentos, as perícias, enfim, os autos.

Comecei meu discurso lembrando uma pergunta feita a Alexandre Magno, rei da Macedônia: por que ele tapava um ouvido enquanto falava a acusação? Assim respondeu o monarca: “É para reservá-lo para ouvir a defesa… Antes de ouvir os dois lados, ninguém pode julgar ninguém”. Aliás, todo homem é inocente enquanto não for provado o contrário, conforme preceitua nossa Carta Política (CF, art. 5°, LVII)

Era preciso preparar o terreno antes de analisar e esmiuçar o processo para os jurados, pois era evidente que as atividades cognitivas dos mesmos estavam comprometidas pelos predicados do acusador.

Após a manifestação de Moro, a maioria das pessoas, entre as quais eu inicialmente me incluía, evitando a dissonância cognitiva, concluía que ele, símbolo do combate à corrupção, estava falando a verdade, principalmente após o desastroso contraponto do presidente Bolsonaro.

Mas calma aí, estamos falando de um ex-juiz experiente, acostumado a analisar a prova e, dizem as más línguas, manipulá-la, como por exemplo montando a estratégia da acusação em relação a processos que depois ele próprio julgaria. Alguém por acaso esperaria uma estultice, uma bizarrice na sua justificativa?

Ora, se o presidente da República, de passado ilibado, tal qual o ex-juiz, quisesse se inteirar de assuntos sigilosos e proibidos, não era mais fácil, ao invés de se expor e pedir a um ministro conhecido por ser o paladino na luta contra a corrupção, utilizar-se de um dos inúmeros espiões da Abin ou de qualquer outra pessoa sem risco de exposição?

Assim como Bolsonaro na sua fala truncada não deixou claro o motivo pelo qual queria a demissão do diretor da Polícia Federal, Moro não explicou qual informação seu chefe desejava, e desde quando a buscava, pois em janeiro deu entrevista na qual afirmou categoricamente que o presidente nunca interferiu em investigações.

Mas especificamente quando inquirido por um repórter sobre o caso conhecido como “rachadinha”, que comprometeria um dos filhos do presidente, respondeu de forma taxativa que essa era uma apuração que “não se encontra nos órgãos federais”, que a competência era da Justiça estadual, e que nunca teria havido qualquer tentativa ou insinuação do presidente que pudesse conspurcar referida investigação.

ALEXANDRE ROSA explica que heurísticas são como atalhos do pensamento, meio pelo qual buscamos aliviar nossa carga de trabalho mental.

Bingo! Garanto que no discurso de Bolsonaro todos fixamos a ideia do filho “pegador no condomínio” e deixamos de lado importantes informações que se perderam diante da salada discursiva, da miscigenação de temas estranhos à ordem do dia.

Moro é preparado. Tem ao seu lado quase toda a mídia tradicional. Mal acabou sua coletiva e de noite já tinha mandado o print de suas conversas para serem expostas no Jornal Nacional.

Em que pese a admiração de grande parte dos brasileiros pelo ex-juiz, sentimento que eu própria comungava, o fato é que entrincheirar-se contra seu chefe que tinha justas razões para antipatizar com o diretor da PF e sair detonando quem sempre lhe prestigiou revela no mínimo deslealdade e falta de gratidão.

Moro sempre soube que Bolsonaro não gostava do diretor, por inúmeras razões que não vale replicar. Todavia um fato é certo: dentre as razões não existe espaço para a leviana imputação em torno da intenção de controlar os trabalhos da Polícia Federal, pois Moro, vale repetir, foi categórico em mais de uma entrevista em desqualificar a infundada assertiva, ressuscitada de forma incoerente, pois o próprio ex-diretor em incontáveis entrevistas declinava da intenção de abdicar do cargo, cuja nomeação por força da Lei 13.047/14 é privativa do presidente.

A postura de Moro serviu para alimentar os inimigos do presidente que falam em impeachment e seus próprios desafetos que relembram o caso Intercept, e o pedido para que sua família, na sua falta, fosse amparada com uma pensão por ele ter abandonado uma carreira de 22 anos na magistratura, o que configura crime de corrupção passiva, disposto no artigo 317 do Código Penal (solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem).

Enfim, no meio dessa confusão toda envolvendo dois homens de bem, o maior prejudicado é o Brasil.

Bolsonaro tem a seu favor uma sinceridade selvagem, uma biografia ilibada, um trabalho em prol da sociedade, lutando durantes anos tal qual solitário cavalheiro templário contra a pornografia e a ideologia de gênero que mutilam e destroem crianças e adolescentes, enquanto deputados alinhados com as perversidades morais patrocinadas pela nova ética global do lixo chamado Nações Unidas se preocupam mais em “querer ganhar popularidade na mídia ao preço da verdade, reeditando a obra de Judas”, para usarmos uma das eloquentes expressões do sacerdote da Prelazia do Opus Dei FRANSCISCO FAUS.

Não pretendo sumariar os argumentos pró e contra dois homens honrados. Gostaria apenas de relembrar uma passagem bíblica na qual o apóstolo João (8:32) diz: “Buscai a verdade, e a verdade vos libertará”.

E para encontrar a verdade, nada melhor do que ouvir, sem preguiça mental, os dois lados da história, para então poder julgar.

Ah, o júri? O réu foi absolvido. Venci por 4 votos a 3.

Foto: YouTube

Por: Cláudio Gastão Filho – Advogado Criminalista

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