Começar a tomar banho pelos pés não diminui as chances de ataques cardíacos

Começar a tomar banho pelos pés não diminui as chances de ataques cardíacos

Uma mensagem com conselhos para evitar “ataques cardíacos ou quedas” no banheiro afirma que molhar primeiro a cabeça faz com que o corpo tente se ajustar a temperatura rapidamente, aumentando a velocidade do sangue, podendo causar um infarto. As publicações circulam desde o início de agosto e já foram compartilhadas mais de 19,5 mil vezes. Especialistas consultados, entretanto, afirmam que a sequência em que as partes do corpo são molhadas não afeta a saúde, nem converte o banho em algo perigoso.

“Por que ataques cardíacos ocorrem com mais frequência no banheiro?”, inicia o texto, compartilhado milhares de vezes ao menos desde o último dia 4 de agosto no Facebook (12), detalhando uma sequência “correta” para tomar banho e, assim, evitar ataques cardíacos.

Algumas postagens, inclusive, atingiram mais de mil compartilhamentos nas redes sociais em menos de 24 horas. Publicações com uma lista de conselhos semelhante viralizaram também em espanhol.

O texto menciona como fonte da recomendação um “professor de medicina dos EUA na Malásia”, mas sem especificar qual instituição, ou nome do professor.

As publicações em espanhol, por sua vez, indicam que se trata de um docente da UTM, na Malásia. Uma pesquisa por essa sigla no Google mostrou que se trata da Universiti Teknologi Malaysia.

Banho e ataque cardíaco

“Isso foi escrito por um professor de medicina dos EUA na Malásia, que aconselha que as pessoas não comecem a molhar a cabeça e os cabelos ao tomar banho, porque essa é uma sequência inversa”, afirma o texto.

De acordo com a mensagem viralizada, ao tomar banho nesta sequência “incorreta”, o sangue “aumenta sua velocidade para alcançar a cabeça mais rapidamente (para compensar a diferença de temperatura), que pode eventualmente causar vasos quebrados, capilares, artérias e, portanto, um ataque cardíaco (ou quedas)”.

Assim, a publicação recomenda que as pessoas iniciem o banho “molhando os pés, as pernas gradualmente até os ombros e, finalmente, a cabeça”.

Entre os conselhos da Fundação Espanhola do Coração, do site especializado em saúde MedlinePlus e do Hospital Israelita Albert Einstein, não há qualquer referência ao fato do banheiro ser mais propício para que as pessoas sofram infartos, ou que a ordem das partes do corpo lavadas seja determinante.

Para prevenir infartos, ou problemas cardiovasculares, os conselhos comuns são: controlar a pressão arterial, cuidar da alimentação e evitar o sobrepeso, fazer exercício físico, não fumar, descansar o suficiente e controlar o estresse.

Especialistas consultados pela equipe de checagem da AFP, por sua vez, descartaram que as afirmações do texto viralizado tenham fundamento científico.

O cardiologista espanhol Alfonso Valle assinalou que não há evidência “sobre nenhum benefício na ordem” no momento de tomar banho, embora tenha esclarecido: “se molharmos primeiro as extremidades inferiores há o estímulo de um pequeno fechamento da circulação venosa e melhora o retorno” sanguíneo, o que “nos permite manter uma tensão adequada”.

Além disso, para o especialista “não tem sentido” a afirmação de que podem ser rompidos “vasos capilares, artérias” se no banho o que se molha primeiro é a parte superior do corpo.

O cardiologista uruguaio Alejandro Cuesta concordou com Valle que a afirmação sobre uma ordem correta para tomar banho não tem fundamento. “Como conceito geral me parece que estão confundindo [no texto] a questão da síncope [um desmaio, ou enjoo] com a de infarto/morte”, comentou.

Em resposta ao AFP Checamos, o diretor científico da Sociedade Paranaense de Cardiologia (SPC), Miguel Morita, falou no mesmo sentido a respeito de uma suposta “sequência correta” no momento de tomar banho: “Não tem nenhum fundamento. Não há qualquer ordem de banho que mude a chance de um ataque cardíaco”.

“Não existem dados científicos que recomendem” molhar primeiro os pés e as pernas, assinalou igualmente o cardiologista filipino Rafael Castillo, integrante da direção da Sociedade Internacional de Hipertensão (ISH, na sigla em inglês), em um artigo de 2017 se referindo a uma mensagem em inglês similar à viralizada.

Castillo adverte, contudo, que pessoas “com um histórico de problemas cardíacos deveriam usar água morna e evitar ficar muito tempo tomando banho”“Para a maioria de nós, sem problemas de saúde importantes, nosso corpo tem um excelente mecanismo compensatório para fazer os ajustes necessários diante das mudanças de temperatura”, acrescentou.

Ocorrem mais infartos no banheiro?

Cuesta afirmou “nunca” ter escutado que no banheiro aconteçam mais infartos do que em outros espaços das casas.

“O que realmente ocorre mais no banheiro são as síncopes por diversos mecanismos”, comentou o cardiologista uruguaio, dando como exemplos: “urinar, mobilizar o intestino, banho com água muito quente, muito tempo de pé em frente ao espelho, estímulo da carótida ao se barbear etc”, destacando que são “perdas de conhecimento rápida e totalmente reversíveis, não infartos, nem mortes”.

“Em muitas ocasiões, não é o banheiro, mas o esforço intestinal para defecar o que pode levar a um ataque do coração no banho”, concorda o médico filipino em seu artigo, no qual afirma que por isso “a constipação crônica está relacionada a um maior risco de eventos cardiovasculares”.

Outro fator que causa danos cerebrais no banheiro, segundo o mesmo cardiologista, são os escorregões de pessoas de idade avançada, que batem a cabeça ao cair.

O diretor científico da SPC também indicou que não existem dados que comprovem uma maior incidência de infartos no banheiro. “O que foi demonstrado é uma variação circadiana no risco de infarto – o infarto ocorre mais no período da manhã”.

E continuou: “As mudanças na fisiologia cardiovascular em resposta a diferentes temperaturas regionais do corpo são mínimas e nos defendemos muito bem delas. Mesmo que ocorressem ‘vasos quebrados, capilares e artérias’ – isto é sem fundamento -, o efeito seria somente em vasos da pele, mas que fique claro que isto não acontece mesmo na pele, sem nenhum efeito no coração”.

Em resumo, é falso que os conselhos listados nas publicações virais sobre a forma “correta” de tomar banho, começando a molhar as partes inferiores do corpo, evita ataques cardíacos. Especialistas consultados pela AFP indicaram que a ordem do banho não afeta a saúde, nem converte o banheiro em um lugar mais propício a infartos.

AFP EspanhaNatalia Sanguino

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