Costa admite gastos com Defesa acima de 2% e avisa Musk que lei “é para todos”

O presidente do Conselho Europeu sublinhou que a UE também tem forma de defender a economia de eventuais tarifas e alertou que “seria um erro” se a paz na Ucrânia só servisse para reforçar a Rússia

O presidente do Conselho Europeu, António Costa, admitiu esta quarta-feira que os Estados-membros da NATO vão decidir aumentar a meta do investimento em Defesa, atualmente nos 2% do PIB, que o Presidente norte-americano, Donald Trump, quer subir para 5%.

Em entrevista à RTP, Costa, no cargo desde 1 de dezembro passado, recordou que em 2014, os aliados decidiram aumentar até 2% dos respetivos produtos internos brutos (PIB) o investimento em Defesa

“A média do conjunto das despesa militar nos 23 Estados da União Europeia que são também aliados na NATO já atingiu os 2% e, sobretudo, desde 2022 para cá, nós tivemos um aumento muito significativo”, na ordem dos 30%, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, recordou o ex-primeiro-ministro português.

António Costa disse acreditar que “há um consenso bastante razoável entre os Estados-membros para prosseguir esta trajetória”.

“Eu anteciparia que seguramente na próxima cimeira da NATO, em junho, se vai fixar uma meta superior aos 2%. Se são os 5%, se são 3%, não sei, é uma decisão que os Estados-membros tomarão no âmbito da NATO”, afirmou o presidente do Conselho Europeu, organismo da União Europeia que reúne os chefes de Estado e de Governo dos 27.

O novo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já veio defender que os países da NATO devem aumentar a sua contribuição para 5% do PIB.

Perante a afirmação do secretário-geral da NATO, Mark Rutte, de que os governos devem estar preparados para cortar no investimento social, Costa considerou que “não é seguramente o melhor argumento para convencer os cidadãos a compreender a necessidade de aumentar a despesa em defesa e segurança”.

“Todos sabemos que nada existe se não houver, primeiro, segurança e se não estiver assegurada a defesa”, afirmou, salientando que, desde o início da guerra na Ucrânia, “a ameaça à segurança [europeia], à soberania, à integridade do território não é uma ameaça distante”.

“É hoje uma ameaça real na própria Europa e por isso é fundamental manter o apoio à Ucrânia, porque se a Ucrânia cair, a ameaça aproxima-se ainda mais”, comentou.

O investimento em Defesa é também uma oportunidade para a economia europeia, apontou Costa.

“Para que os Estados-membros da União Europeia tenham capacidade de reforçar o seu investimento em Defesa, é fundamental também reforçar a sua base económica industrial”, salientou.

Costa destacou ainda que a UE pode “ajudar a racionalizar os investimentos”, definir “um quadro de capacidades conjuntas”, aumentar “a eficiência da despesa, através de compras conjuntas e da standardização dos mesmos tipos de equipamentos, assegurando a sua interoperabilidade” e prever “financiamento comum para capacidades que são comuns”.

António Costa convocou para a próxima segunda-feira um retiro informal dos líderes dos 27 dedicado precisamente ao investimento em Defesa e segurança, com a presença de Rutte, e do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer.

Para Costa, a Rússia “é claramente hoje a maior ameaça externa à União Europeia”.

Os 27 devem reforçar a sua “autonomia estratégica”, tendo como “grande prioridade os sistemas de defesa aérea e antimíssil” e a “defesa contra a guerra eletrónica”, acentuou.

No entanto, ressalvou, “essa autonomia estratégica não é um distanciamento relativamente aos Estados Unidos”, parceiro na NATO.

O tema da Defesa será destacado no Conselho Europeu de junho, “logo a seguir” à cimeira da aliança atlântica, salientou Costa.

O presidente do Conselho Europeu afirmou que a União Europeia tem “instrumentos de defesa” da sua economia e não deixará de os utilizar, perante a eventual imposição de tarifas pelo Presidente norte-americano, Donald Trump.

“Em matéria comercial, nós aguardamos o que o Presidente Trump irá propor. Sabemos que os Estados Unidos têm uma preocupação que é legítima, nós temos um défice comercial grande”, afirmou hoje, numa entrevista à RTP em Bruxelas.

A UE “não procura o conflito” e tem “uma postura dialogante”, sublinhou o ex-primeiro-ministro português, que disse que os 27 esperam que “toda a dinâmica da relação comercial com os Estados Unidos possa ser resolvida numa base negocial”

“Quando os Estados Unidos entenderem que devem colocar à União Europeia qualquer problema, nós fazemos aquilo que fazemos com qualquer entidade e, por maioria de razão, com um aliado e um amigo: olhamos para o problema e vemos como é que podemos resolver”, comentou.

“Naturalmente, temos também os nossos próprios instrumentos de defesa e não deixaremos de utilizar os instrumentos de defesa para defender a nossa economia”, salientou Costa.

Esta semana, Trump disse que os países europeus vão ser sujeitos a tarifas aduaneiras, “a única forma” de os Estados Unidos “serem tratados como devem ser”, argumentando que a UE “é muito má” para os EUA.

Sobre como poderá a UE posicionar-se perante a nova administração norte-americana, o líder do Conselho Europeu recordou que as relações entre a Europa e os EUA “têm 200 anos” e “são independentes na sua durabilidade de quem está em cada momento no poder”.

“Todos nós já tivemos experiência de conviver com o Presidente Trump no seu primeiro mandato e, portanto, há uma dimensão que não é surpreendente”, comentou.

Questionado sobre a intenção de Donald Trump de dialogar com o Presidente russo, Vladimir Putin, sobre uma solução para o conflito na Ucrânia, desencadeado em fevereiro de 2022 pela invasão da Rússia, Costa sublinhou que quer Kiev quer a UE têm de estar presentes nessas conversações.

“A Ucrânia é um Estado soberano e, portanto, não há negociações sobre a paz na Ucrânia que não envolvam a Ucrânia”, salientou.

Por outro lado, esta discussão “implica também a negociação sobre a segurança na Europa e não é possível haver uma discussão sobre a segurança na Europa sem a União Europeia”, destacou.

Costa assinalou que “a questão é não a paz, mas que paz” se procura para aquele conflito no leste europeu.

“Se a paz é simplesmente um pequeno intervalo na guerra para dar oportunidade à Rússia para se reforçar e voltar a atacar com mais força, isso então não é uma paz, é um erro. Nós não podemos cometer erros e temos que trabalhar para que haja uma paz justa e duradoura”, considerou.

Questionado sobre declarações de Trump, que admite controlar a Gronelândia ou o Canadá pela força, Costa destacou o primado do Direito internacional.

“A União é consistente e previsível e defende e promove uma ordem internacional baseada em regras”, nomeadamente na Carta Internacional das Nações Unidas, disse, que preconiza “o princípio da soberania, da integridade do território, da estabilidade das fronteiras”.

“É um princípio que é essencial na Ucrânia, na República Democrática do Congo, no Panamá, Canadá, na Gronelândia. É um princípio que para nós é universal. (…) Esta é a lei internacional e o mundo sem lei é um mundo onde a lei do mais forte prevalece”, sublinhou, acrescentando: “É por isso que é fundamental assegurar que o mundo continua a ser regulado pela lei internacional. É um dos maiores desenvolvimentos civilizacionais que o século XX nos legou e que nós temos obrigação de preservar e defender”.

Sobre o multimilionário norte-americano Elon Musk, próximo de Trump e proprietário da rede social X, onde tem atacado governos europeus e apoiado forças contrárias à UE, como a extrema-direita alemã, António Costa salientou que “a independência do poder político relativamente ao poder económico é uma regra fundamental das democracias liberais”.

“Só nas oligarquias é que o poder político é dominado pelo poder económico. Nós temos que proteger as democracias liberais e combater as oligarquias”, sustentou.

A UE, recordou, tem “um quadro jurídico robusto para regular o novo espaço digital” e é por isso que “algumas dessas grandes companhias tecnológicas não gostam da União Europeia, que ainda recentemente aplicou multas pesadas em matéria de política de concorrência”.

Costa referiu que a Comissão Europeia abriu uma investigação à rede X “para saber se está ou não está a cumprir as regras” em matéria de serviços digitais.

“Se estiver a cumprir as regras, ótimo, se não estiver as cumprir as regras, as consequências da aplicação da lei terão que existir, porque a lei é igual para todos, e também para as grandes”, comentou.

Durante a entrevista, foi questionado sobre a Operação Influencer, na sequência da qual António Costa pediu a demissão do cargo de primeiro-ministro, tendo considerado que “esse é um assunto que já está ultrapassado”.

“O que mudou foram duas decisões judiciais, foi a clarificação do que estava em discussão, foi aquilo que eu senti quando fui ouvido a meu pedido pelo Ministério Público”, disse, referindo-se ainda à avaliação dos 27 chefes de Estado e do Governo com assento no Parlamento Europeu sobre as suas “capacidades, qualidades e condições para desempenhar” o cargo.

Quanto a notícias do Financial Times ou do Politico, que quando da escolha para o Conselho Europeu se referiram a António Costa como pertencente a uma minoria étnica, o antigo primeiro-ministro referiu “a tradição em Portugal é que as origens étnicas de cada um não são um fator relevante”.

“Acho que é um fator de enriquecimento. Vejo que algumas pessoas interpretam que essa costela oriental ajuda a formatar a minha personalidade. Não sei se é a minha costela oriental ou não, mas seguramente enriquece-me”, enfatizou.

Em abril do ano passado, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, comparou o atual e o anterior primeiro-ministro, afirmando que “António Costa era lento, oriental” e Luís Montenegro “não é oriental, mas é lento”.

Costa escusou-se ainda a falar das eleições presidenciais do próximo ano, referindo ter uma “regra fundamental que é não falar da política interna de nenhum estado-membro” e que a sua “fase de intervenção na vida política interna portuguesa ficou encerrada o ano passado”.

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