TCE/SC revela insuficiência de políticas públicas em relação à população em situação de rua
De 2016 a 2023, a população em situação de rua cadastrada em Santa Catarina cresceu aproximadamente 4 vezes, passou de 1.774 para 8.824 pessoas. Os dados são do Cadastro Único (CaDúnico), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. No Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o mesmo grupo populacional aumentou em 211%, entre 2012 e 2022. A partir de dados como esses, o Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC) realizou uma auditoria operacional para avaliar as políticas públicas estaduais e municipais que atendem a essa população (processo @RLA 24/80057407).
O estudo, feito pela Diretoria de Atividades Especiais (DAE) do TCE/SC, foi proposto levando-se em consideração o aumento exponencial desse grupo em relação ao crescimento populacional brasileiro de 11% na mesma década; o registro no Cadastro Único para Programas Sociais de 236.400 pessoas em situação de rua, ou seja, 1 em cada 1.000 pessoas vivendo nessa condição no país; e também o alinhamento a um dos objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em Santa Catarina, segundo o CaDúnico, em julho de 2023, os registros referentes a população em situação de rua indicavam uma relação de aproximadamente 1 a cada 862 habitantes, números que revelam a necessidade de políticas públicas mais efetivas para o enfrentamento da questão, aponta o documento. “Este relatório, portanto, dedica-se a analisar e abordar esse tema complexo, buscando contribuir para o aprimoramento de políticas públicas capazes de promover melhorias significativas na vida desse grupo”, propõem os auditores da DAE.
Auditoria
A partir de Decisão Singular do conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, relator dos processos no TCE/SC relacionados à área de assistência social, a equipe de auditoria iniciou o trabalho em abril de 2024. Foram examinados e avaliados dados do Estado e dos municípios de Balneário Camboriú, Biguaçu, Blumenau, Brusque, Chapecó, Criciúma, Florianópolis, Itajaí, Joinville, Lages, Palhoça, São José e Tubarão.
Um dos critérios para a escolha das unidades fiscalizadas é que a soma dos 13 municípios representa 75% de pessoas cadastradas na situação de rua. Outro aspecto levado em conta na seleção foi a existência de Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), visto que o espaço é fundamental no atendimento a pessoas nessa condição.
A primeira ação realizada pela auditoria foi identificar se as administrações públicas municipais adotam procedimentos para estabelecer e conduzir o diagnóstico oficial da população em situação de rua, considerando a heterogeneidade desse grupo populacional, a abrangência territorial e a precisão dos dados coletados.
Para responder a essa questão, buscou-se saber se o Estado e os municípios aderiram à Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR), instituída pelo Decreto Federal n. 7.053/2009. A PNPSR estabelece diretrizes que garantem os direitos e a busca pela promoção da inclusão social desse grupo populacional.
De acordo com a apuração do TCE/SC, dos 14 entes fiscalizados, 5 já formalizaram sua adesão à Política, e os outros 9 ainda não realizaram o processo de adesão.
A PNPSR prevê a instituição de comitês intersetoriais, instâncias que desempenham papel na coordenação e articulação das ações dos diferentes níveis de governo e setores da sociedade civil, para resguardar a integralidade e a efetividade das políticas públicas. Ao analisar as respostas dos entes fiscalizados sobre a instituição de tais comitês, verificou-se que 8 municípios possuem a estrutura, conforme previsto na PNPSR. No entanto, 6 municípios ainda não dispõem desse equipamento.
Saúde
O atendimento em saúde foi um dos principais temas abordados ao longo da auditoria. Em 2011, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) foi revisada, e criou-se a Equipe de Atenção Básica para a População em Situação de Rua, por meio do Consultório na Rua (CnaR). Segundo o relatório, a forma ativa de abordagem possibilita que os profissionais de saúde do CnaR estabeleçam vínculos de confiança, oferecendo um atendimento integral e continuado aos usuários. Essa prática visa à prevenção e ao tratamento de doenças, de forma articulada com a Unidade Básica de Saúde de referência. Dos 13 municípios questionados, 5 possuem CnaR. Entre os 8 demais auditados que não contam com o serviço.
A Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou a existência de 20 unidades de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS I) Microrregionais que atendem mais de 41 municípios de até 15 mil habitantes, seja por meio de convênio ou consórcio. Entre as causas possíveis desse cenário, os auditores indicam a existência de equipes muito pequenas para atuar no Consultório na Rua, assim como a inexistência desse serviço na maioria dos municípios auditados, reduzindo a possibilidade de um atendimento voltado para a prevenção e redução de danos e, consequentemente, o agravamento do quadro de saúde física e mental das pessoas em situação de rua.
A auditoria concluiu ainda que a disponibilização, nas unidades fiscalizadas, de serviços, programas, projetos e benefícios, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), é insuficiente para assegurar atendimento capaz de promover melhorias significativas na vida dessa população.
O relatório demonstra a precariedade ou inexistência da estrutura de Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua nos municípios, em condições apropriadas para os atendimentos. Nesse contexto, o estudo revela ausência de atuação articulada entre os atores envolvidos; atividades, programas e planos com ausência de metas adequadas; e insuficiência de profissionais nas equipes responsáveis pelos serviços e programas.
Dados
Outro aspecto analisado diz respeito à ausência de dados para subsidiar a elaboração e execução de políticas públicas voltadas para essa população. De acordo com o relatório da DAE, apenas 2 municípios realizaram diagnóstico mais amplo sobre a população em situação de rua. “Apesar do reconhecimento dessa realidade como uma grave questão social, a falta de dados oficiais consistentes representa um desafio para a formulação e implementação de políticas públicas eficazes e limita a criação de programas que possam promover a inclusão social do grupo”, aponta o documento.
“Destaca-se a relevância de os municípios realizarem um diagnóstico detalhado da população em situação de rua e manterem atualizados os registros no CadÚnico, a fim de compreender os fatores sociais, econômicos e individuais que levam à vivência nas ruas. Esse conhecimento permite, sobretudo, prevenir novos casos, romper ciclos de vulnerabilidade e formular políticas públicas efetivas para atender à demanda desse grupo populacional”, ressalta o coordenador da auditoria, auditor fiscal de controle externo Rafael Scherb.
Fase do processo
Após a conclusão da auditoria, o conselheiro Adircélio determinou a audiência dos responsáveis para apresentarem considerações ou justificativas acerca das sugestões de recomendações formuladas pela DAE.