Aquecimento Global: “É como se não tivéssemos feito nada pelo clima”

O aquecimento global é uma das principais causas do da onda de calor e chuvas excepcionais que afetaram várias regiões do mundo no verão. É o que afirma, Sonia Seneviratne, co-autora do novo Relatório do Climático da ONU.

Os termômetros chegaram a marcar 50°C no Canadá; na Alemanha foram inundações sem precedentes; no Mediterrâneo, uma onda de calor; e na Suíça, nunca choveu tanto: não poderia haver melhor momento para a publicação do novo relatório dos especialistas em clima da ONU.

“O ocorrido no verão me chocou. Mas não me surpreende: o que foi previsto pelos modelos climáticos está ocorrendo”, ressalta Sonia Seneviratne, climatologista da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH) e co-autora do relatório do IPCC. A pesquisadora suíça é considerada pela agência de notícias Reuters como uma das dez especialistas mais influentes do mundo na sua área.

Quais são as principais conclusões do novo Relatório do Clima?

Sonia Seneviratne: A evidência do aquecimento global ficou ainda mais claro. Todas as regiões do mundo estão sendo afetadas. O relatório confirma que meio grau a mais de aquecimento significa grandes diferenças no impacto sobre o planeta. Infelizmente, o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus parece cada vez mais fora de alcance. Devemos agir agora se quisermos ter alguma chance de se aproximar desse objetivo.

Quais são os novos elementos desde o último relatório em 2014?

O aquecimento desde a era pré-industrial ficou ligeiramente maior do que o estimado anteriormente. Foram alcançados cerca de 1,1 graus durante o período de 2011-2020. Um novo elemento importante no relatório é a constatação de que eventos climáticos extremos ocorridos recentes não teriam acontecido sem a influência humana sobre o clima.

swissinfo.ch: O relatório é publicado num momento em que vários países enfrentam inundações, ondas de calor e outros eventos extremos, muitas vezes sem precedentes. Qual a relação desses eventos com a mudança climática?

Eles confirmam todas as nossas previsões científicas. Sabíamos que, por volta de 2020, começaríamos a ver situações anômalas ou sem precedentes. O desencorajador é o fato de as previsões terem sido feitas em um cenário habitual, ou seja, sem novas políticas para reduzir as emissões. É como se não tivéssemos feito nada pelo clima. 

Esses eventos violentos e imprevisíveis passarão a fazer parte da “normalidade”?

S.S.: Eu não diria “normalidade”, pois a situação vai piorar ainda mais à medida que o clima se aquecer. Enquanto tivermos esse desenvolvimento, esses fenômenos irão piorar. Se não reduzirmos as emissões, em dez anos a situação será muito pior do que o que vivemos hoje.

O aquecimento é tão rápido que as medidas de adaptação não acompanham o ritmo…

Temos de aceitar à ideia de não sermos capazes de lidar com todos os eventos vividos atualmente. A única maneira de evitar um aumento acentuado dos danos associados ao aquecimento global não é a adaptação, mas sim um freio nas emissões.

swissinfo.ch: Como coordenadora do capítulo de eventos extremos do relatório, a senhora analisou centenas de pesquisas. O que mais o impressionou durante essa análise?

Duas coisas: a primeira é que estamos começando a ver eventos que, como disse, não teriam acontecido sem o aquecimento global. Não apenas a frequência das ondas de calor e chuvas fortes aumenta, mas também vivemos eventos nunca visto anteriormente.

Em segundo lugar, estes eventos climáticos ocorrem na mesma região ou combinados em regiões diferentes. Também vimos isto na Suíça em 2018: houve uma grande onda de calor que ao mesmo tempo também afetou muitos outros países da Europa, Ásia e América do Norte. Também no verão tivemos vários eventos climáticos extremos quase simultaneamente em diferentes regiões do mundo.

A publicação do relatório ocorre menos de 100 dias antes da Conferência Internacional sobre o Clima em Glasgow (COP26), considerada por muitos observadores como decisiva. Como você vê o futuro?

A COP26 é a última chance de mudar o curso e conseguir reduzir o aquecimento global de acordo com os objetivos do Acordo de Paris. Agora, pela primeira vez, temos uma configuração política favorável em todo o mundo. Quanto mais conseguimos limitar o aquecimento, mais será possível limitar os danos.

Edição: SWI

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